A SOLIDÃO E A ÁRVORE - Final
A SOLIDÃO E A ÁRVORE - Final
Rangel Alves da Costa*
Maria caminhava pela estrada toda faceira e feliz, com a roupa humilde e sandália de couro cru, porém bela como princesa jovem que passeia pelos vãos solenes do suntuoso palácio.
Por onde ela seguia, borboletas voejavam ao redor de Maria; por onde ela ia, passarinhos cantarolavam ao lado de Maria; se ela pulava e ela sorria, era prazer e festa aos olhos da natureza, à face da ventania.
E passou um vaqueiro a cavalo: Boa tarde, mocinha! E o passarinho ensinou a Maria: Diga bom dia, seu moço! E ela repetiu: Um dia seu moço!
E passou a lavadeira: Boa viagem, menina bonita! E o passarinho ensinava: Diga boa viagem também! E Maria repetia: Viagem também!
E passaram uns estudantes: Aonde vai professorinha? E o passarinho a mandava dizer: Vou ali volto já! E Maria repetia: Ali já!
Mais adiante viu casas, viu muita gente, viu um menino de bicicleta e correu pra se esconder. Passarinho disse não, isso não é bicho não!
Viu um carro e quase grita, tudo que via espantava, achava que alto-falante era trovão, buzina era bicho piando, a cidade era uma bagunça. Tudo de cabeça pra baixo e precisando ser arrumado.
Passou na frente de uma loja e viu um espelho bem grande e nem pensou duas vezes, foi quase correndo e ficou diante dele.
Era ela, se conhecia, estava bonita demais, não tinha encontrado ninguém que fosse assim do seu jeito, pessoa como qualquer uma, porém linda sem igual.
Se olhando no espelho, viu lá bem dentro do vidro uma imagem que já conhecia e estava logo às suas costas, mas não era gente nem bicho, era a umburana cabocla visível somente aos olhos dela.
Ninguém me vê, mas estou aqui acompanhando você conhecer a cidade, estou sentindo suas estranhezas, os seus medos e os seus espantos, mas tenho certeza que tudo isso é bem menor que os encantos.
Vá conhecer um pouco mais da cidade, vá ao parque e ao jardim, pode ir seguindo adiante que vou lhe falando onde fica. Brinque, fique à vontade, mas não deixe ficar muito tarde, pois tem que voltar e antes de retornar tem que lembrar daquilo que veio fazer.
Mas esse negócio de médico fui eu e minha que inventamos. Foi apenas para o meu pai me deixar conhecer a cidade. Foi o que disse Maria.
Ainda bem que deu certo, que a mentira pegou, mas já que está aqui você tem que ir mesmo procurar o doutor onde ele fica. E veja o que eu estou dizendo, depois você vá lá e diga ao médico que estão precisando dele com urgência.
Pelas minhas contas dá tempo de você conhecer mais a cidade e depois avisar o médico. Ele chegará à sua casa ainda com tempo de salvar vida.
Mas é tudo de brincadeira! Repetiu Maria.
Não é brincadeira mais não, e veja o que estou dizendo. Falou a cabocla, com voz firme dessa vez.
Então Maria perdeu a vontade de conhecer o parque e o jardim e tudo o mais por ali. Seguiu para o hospital e foi dizer ao médico que sua mãe estava necessitando de cuidados urgentes em tal lugar.
Maria não queria de jeito nenhum, mas teve que entrar no carro assim mesmo. Tinha medo, por fé de Deus, mas achou bom quando o “bicho” pegou a estrada.
Ao longe avistou sua mãe aos prantos e desesperada, fazendo gestos como se quisesse puxar o carro com as mãos.
Corra que seu pai está morrendo Maria!
Quando o médico entrou no casebre já encontrou o homem se nenhum sinal de vida. Estava arriado no chão e tendo ao lado um espelho.
Era um presente pra você Maria, esse espelho ele havia comprado e guardado para a moça mais linda do mundo se olhar e se admirar.
Chorando, num pranto verdadeiramente desesperado, ela beijou a face do pai e foi colocar o espelho na parede esburacada.
Então Maria se olhou e enxugou as lágrimas. Então Maria começou a enxergar a vida. Então Maria começou a viver.
FIM
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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