A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 21
A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 21
Rangel Alves da Costa*
Verdade é que com duas talagadas de pinga, o homem não havia sentido efeito algum. Quem está acostumado a virar duas garrafas de gole em gole, duas dosinhas de nada não causam rebuliço nenhum.
Portanto, o álcool não servia de explicação para mandar que a esposa e a filha tomassem uma daquelas duas extremas decisões. O fez por maldade mesmo, pois se havia uma pessoa na face da terra de instinto ruim, este estava ali.
Quando as duas sumiram do seu olhar, ao invés de procurar tomar mais uma talagada, o homem começou a olhar ao redor, para baixo e para cima, e isso seguidamente, pois estava sentindo alguma coisa diferente, porém não sabia o que era.
O tempo começou a escurecer repentinamente, o vento veio soprando agitado e veloz, folhas secas tomavam os ares, as folhagens das plantas se mexiam nervosamente. E o homem pensou que viria temporal.
Em pé, sem sair do lugar instante algum, algo que surgia além lhe chamou atenção. Era um redemoinho fininho e veloz que avançava bem em sua direção. Não deu nem tempo de sair do lugar para se proteger, pois o funil de vento num instante já estava diante de si,
E coisa mais estranha aconteceu. O funil de vento foi imediatamente se transformando num tronco de uma árvore, de onde saiu uma voz.
Essa voz estranha disse que ele era homem valente demais para não se assustar com nada do que estava ocorrendo. Que não se preocupasse que não lhe aconteceria nada, apenas que olhasse para o que iria surgir diante dos seus olhos.
E o homem, sem ter reação alguma, fixou ainda mais os olhos no tronco e viu surgir da madeira um espelho tão cristalino que refletiu de cima a baixo.
Em seguida foi esmorecendo o brilho reluzente e começou a espelhar aquilo que o homem jamais esqueceria para todo o restante de sua vida.
Primeiro o espelho mostrou Maria linda, sorrindo, correndo pelos campos, conversando com pessoas, cuidando de um jardim florido, abraçando o pai e a mãe.
Em seguida o espelho mostrou o próprio homem tomado por toda a fúria do mundo, esbravejando palavrões, dando chutes e pontapés, segurando uma vara na mão e açoitando, tomando de um chicote e chicoteando, segurando uma faca afiada e partindo em direção a alguém.
Por último o espelho mostrou uma cova rasa e uma rústica cruz de madeira por cima. Nela estava escrito o nome Maria.
E de repente o espelho deixou de mostrar qualquer coisa, apagou, sumiu. Então o tronco voltou ao normal e uma voz perguntou ao homem o que ele queria para sua filha.
E se fez novamente o redemoinho e tudo voltou ao normal.
Normal na natureza, pois o homem prostrou-se imediatamente de joelhos, baixou a cabeça quase rente a terra e começou a dar murros pelo chão.
Ninguém é capaz de adivinhar o que se passava naquela mente doentia naquele momento. Verdade é que ficou nessa posição por uns três minutos.
Quando levantou e olhou ao longe enxergou duas pessoas caminhando com feixes na cabeça. Eram Maria e sua mãe, com as encomendas das urtigas e cansanções.
Quanto mais se aproximavam mais os olhos do homem brilhavam.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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