A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 20

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 20

Rangel Alves da Costa*

Vocês duas, venham cá! Disse o homem, chamando Maria e sua mãe para o lado de fora da casa.

Na malhada, bem ao lado do jardim de gravetos, ele olhou de um jeito bem estranho as duas, com olhos indefiníveis quanto ao seu estado, acendeu um cigarro de palha e começou a falar.

Vocês duas não tomam jeito mesmo. Parece que se uniram na maldade para acabar com os meus dias. Vivem em conluio, se acertando, fofocando pelos cantos, que é pra ver se arranjam um jeito de se livrar logo de mim...

Mesmo quase não estando aqui percebo tudo. Meu anjo da guarda me avisa sobre o que vocês tramam escondido. Dizem que sou ruim, mas tenho anjo da guarda, vocês sabem disso?

Sei muito bem que você, sua zinha, quer me ver morto pra arrumar outro homem, e você, Maria, pra se danar no meio do mundo.

As duas, coitadas, parecendo duas reféns num paredão, viviam seus medos sem dizer uma palavra sequer. Contudo, achavam um absurdo ter de ouvir aquelas maluquices todas.

Deve tá variando ou bêbado, pensou a esposa; com certeza endoideceu de vez, imaginava a filha. Mas o homem continuava, como se estivesse somente apenas no começo de coisa muito mais importante.

Pois então chegou a hora de vocês decidirem o que querem na vida. Vou dizer uma coisa e vocês façam agora mesmo, se não eu vou me danar e vai ser muito pior...

Logo mais adiante, lá pelos matos da baixinha, tem planta de todo tipo. Então vocês vão até lá e decidam o que vão fazer da vida diante do que vou dizer agora.

Chegando lá vocês duas estão livres para irem embora, sair daqui, irem para onde quiser. Com a roupa do corpo e do jeito que tão aí. Nem quero saber pra onde vão nem qual caminho tomado. Se quiserem assim, que assim seja...

Mas se vocês acharem melhor ficar aqui, de lá mesmo podem retornar pra casa, que ela estará de portas abertas esperando. Só tem uma coisa, e disso eu não abro mão...

Se quiserem voltar tem que trazer, cada uma, um feixe de urtiga e cansanção, dessas bem novinhas e que causam mais efeito na pele. Bem dessas que doem muito mesmo, que deixam na pele um lanho e vermelhidão de tanto arder e coçar...

Chegando aqui, cada uma de vocês deve estar pronta pra tomar uma surra bem dada com as bichas, no lombo e por todo lugar. E não vai ser coisa ligeira não, pois vou bater em cada uma até a planta afinar e perder o efeito.

Agora vão. Lembre que vocês só têm essas duas coisas a fazer, que é ir embora de lá mesmo ou voltar aqui pra sofrer. Agora vão...

Vindo daquele homem, a ordem era exigência. E as duas partiram no mesmo instante, caminhando lado a lado, como duas condenadas a se jogarem no precipício.

Uns dez passos adiante e a mãe perguntou à filha o que iriam fazer agora. E Maria respondeu que fariam o que ele mandou.

Mas diante do que ele mandou fazer temos duas opções, disse a mãe.

Nós vamos fazer a segunda, completou a filha.

Mas você enlouqueceu Maria? Se a gente voltar com urtiga e cansanção ele vai tirar o couro da gente e nunca mais a gente vai sarar! Foi o que disse a mãe assustada.

Não tem nada não, minha mãe. Por quantos sofrimentos parecidos nós já passamos quantas dores já sentimos pelas mãos daquele homem, quantos castigos de morte já sofremos?

Mas dessa vez pode até nos matar, minha filha!...

Mata não, mãe, mata não! Quem já tá morto vivo não vai se acabar de vez só por causa de uma surra de urtiga e cansanção. Só garanto que será a última que ele vai dar, e se tiver coragem dessa vez.

E digo mais, minha mãe, que aquela foi a última vez que ele abriu a boca pra ameaçar. Mas ele vai ver, pois vamos voltar com o que ele quer, com a urtiga e cansanção.

continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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