A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 19

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 19

Rangel Alves da Costa*

Já dentro do barraco, o pai de Maria mandou que ela sentasse num tamborete, colocou seus instrumentos de tortura em cima da mesinha, arranjou nos apetrechos pendurados pelos cantos uma garrafa de pinga, cachaça limpa mesmo, e tomou uma golada de fazer cara feia.

Ficou dando volta no quadradinho que tinham como sala, abriu bem a porta da frente e escancarada deixou, e em seguida falou mais alto que a esposa saísse do lugar onde estava escondida e fosse até ali.

A mulher apareceu cabisbaixa, amedrontada, tremendo feito vara verde. Estava mesmo escondida debaixo da cama. O aspecto sujo e suado não dizia diferente.

Estou aqui marido, foi o que ela falou. Em seguida perguntou o que ele queria e se podia ajudar de alguma forma. Ao olhar para a filha não conteve o pranto.

E começou a chorar tão fortemente que o marido não suportou e foi ficar por instantes do lado de fora da porta.

Maria levantou apressada, correu e abraçou a mãe, colocando a mão nos olhos como se quisesse conter as lágrimas. E se entrelaçava carinhosamente ao corpo magro dela.

Não chore não mamãe, está tudo bem. Não chore mais não que estou aqui e como a senhora pode ver estou vivinha da silva, inteirinha, sã e salva.

É que eu pensei tantas coisas minha filha, estava temendo tantas coisas, minha filha. Ainda bem que você voltou e pode acreditar que essas lágrimas são de alegria. Foi o que conseguiu dizer no primeiro instante.

E continua tentando falar em meio a soluços. Temi pelo seu destino desabando pelo mundo com a idade que tem. E temi tantas coisas ruins que somente Deus há de testemunhar...

Temi pelo que seria de você se levasse adiante esse negócio de fuga, jogada por aí a qualquer sorte da vida, feito bicho brabo, sem conhecer ninguém e por ninguém ser conhecida.

Nem parente você sabia onde encontrar, como eu não sei mais se existe algum nesse mundão de meu Deus. A última vez que vi um parente foi quando olhei nos olhos de minha mãe quando saí de casa junto com o seu pai, pensando que ia rever todo mundo a qualquer momento.

Temi quando seu pai insistiu de ir atrás de você a todo custo, mesmo estando com o joelho machucado. A raiva dele era tanta que temi pelo pior quando colocasse as mãos em você.

Juro por Deus que acendi vela no pensamento, fiz três orações ao mesmo tempo, me ajoelhei pelos quatros cantos, me peguei com todos os santos do céu e implorei como nunca ao meu Senhor para que nada de ruim lhe acontecesse.

E Deus me ouviu, os santos e os anjos me ajudaram na minha aflição porque você está aqui. Agora me resta fazer tudo novamente. E em dobro, para agradecer pela glória de avistar novamente minha filhinha com vida.

Juro que meu coração se tornaria uma igreja se o seu pai mudasse esse jeito de ser, deixasse de lado esse modo tão ingrato e violento de tratar da gente, fosse apenas um pai e marido...

E que igreja bonita seria essa no meu coração se a felicidade pudesse reinar nessa casa, se você pudesse ter uma vida normal, pudesse estudar, ir até a cidade, conhecer pessoas, conversar, ter amigos, ser uma mocinha como tantas outras.

Oh! Minha filha que bom abraçá-la e senti-la ao meu lado, pois sem a sua presença sua mãe não duraria mais que o dia seguinte. Que bom saber que retornou e que agora, mesmo com as dificuldades que ainda temos de enfrentar, estamos juntas novamente.

E agora, minha filha, agora é só esperar o que vai sair da cabeça daquele homem.

Com efeito, percebendo que a mulher havia parado de chorar, o homem entrou novamente, tomou mais uma talagada de pinga e falou que havia chegado a hora de os três terem uma conversa muito importante.

continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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