A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 16

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 16

Rangel Alves da Costa*

Com os passos se aproximando cada vez mais, a umburana cabocla silenciou, o espelho se desfez, tudo voltou ao normal.

Quem imaginasse que Maria agora estava desprotegida, à mercê da raiva e da brutalidade do pai, estaria enganado. A cabocla silenciosa havia providenciado para que nada de ruim acontecesse à menina.

Quando o homem espalhou com a mão a cortina da mataria e adentrou naquilo que a filha chamava de reino encantado, encontrou-a em pé, estática feita uma pedra, com os olhos brilhando como nunca e mirando o seu pai por inteiro.

Soltando verdadeiros grunhidos, o homem vociferava enquanto caminhava com dificuldades por causa da queda que havia afetado o joelho.

O aspecto do homem era verdadeiramente de assustar. Todo suado e nervoso, carregando na mão um chicote de couro cru, soltava faíscas pelos olhos e chegava a espumar pela boca.

A menina em pé, não se mexia um milímetro, esperando apenas a reação do pai quando estivesse ao seu alcance. E ele foi andando e andando, feito um furacão que caminha.

Quando já estava bem próximo da filha, no instante em que ia levantando o braço com o chicote, começou a soprar uma ventania que o fez olhar para cima e imediatamente mudar de feições.

Parecendo que alguma coisa havia caído sobre sua cabeça, passou a mão pelo rosto, limpou os olhos, guardou o chicote na cintura e perguntou à filha porque estava ali.

Maria, que também recebeu uma rajada de vento pelo corpo, respondeu que estava apenas passeando ali porque achava um lugar muito bonito e agradável.

E o pai, sem deixar o jeito sério de falar, disse que aquele lugar era muito perigoso, pois tinha cobra venenosa e outros bichos perigosos, até onça já tinha sido vista rondando o lugar.

Num impulso, Maria se aproximou dele e perguntou o que tinha acontecido com sua perna, pois andava mancando e doía muito pelo jeito.

Nada, nada. Foi o que o homem conseguiu responder.

Espere aí um pouquinho, disse Maria. Em seguida se ajoelhou e começou a erguer a calça do pai até a altura do joelho e, com um leve toque, perguntou se era ali que estava machucado.

Já disse que não é nada, e levante daí agora mesmo. Vamos embora pra casa agora mesmo, anda...

Vamos sim, mas primeiro vou colocar umas folhinhas de mato verde bem aqui e levar outras para fazer um chá, está certo?

E o coração do pai apertava, querendo se desmanchar e transbordar feito rio que corre diretamente para os olhos.

Nunca havia imaginado uma situação como essa. Tinha chegado ali para espancar a menina e levá-la arrastada pelo chão até a casa, e agora sem reação alguma diante daquele cuidado da filha.

Maria catou algumas folhas verdes, juntou tudo num monte, depois bateu por cima com uma pedra até formar uma pasta esverdeada, que em seguida foi colocada no joelho do pai.

Enquanto colocava o medicamento natural, percebeu que ele deixava escorrer uma lágrima pelo canto do olho e perguntou se ele estava chorando por causa da dor.

Sim, minha filha; sim, minha filha, tudo dói muito... Respondeu o homem, realmente sentindo o espírito remoer por inteiro.

Por que isso agora, meu Deus!? Perguntou-se o homem, e em seguida lembrou que havia chamado o nome de Deus depois de tanto tempo que nem recordava mais.

continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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