A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 9

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 9

Rangel Alves da Costa*

Prometido e cumprido. Dito e feito.

Logo ao amanhecer do dia, sem ao menos querer saber se o seu pai estava nos arredores ou não, Maria abriu a janela, cumprimentou o sol que ainda estava mansinho e pulou para fora.

Pulou a janela e desceu tranquilamente até um pequeno jardim de galhos secos que sua mãe insistia em manter rodeando o barraco.

Sua mãe, talvez com a inocência de sertaneja que nunca perde a esperança, vivia dizendo que um dia ainda ia chover, ainda ia verdejar, ainda ia florir.

Ao dar o primeiro passo para seguir adiante, Maria pensou ter tropeçado numa plantinha seca e se agachou para ajeitá-la, acariciá-la. Fez isso com tal formosura que parecia estar cuidando da mais bela flor de um jardim florido.

Ao terminar seu reparo, dizendo que encontraria água para molhar ali, ela se preparou para seguir em frente quando parou por um instante porque pareceu ouvir um "muito obrigado, mãos de fada".

Teria ouvido isso mesmo, saído de uma voz suavemente fininha? Não, não seria possível. E seguiu adiante, lembrando que tinha de sair dali o mais rápido possível antes que o seu pai pudesse aparecer e destruir sua manhã.

Quanto já estava entrando nos matos, saindo da visão de sua casa, um passarinho passou bem rente ao seu ombro e disse que a plantinha não parava de elogiar a delicadeza de suas mãos.

Mas não é possível, será que estou enlouquecendo? Primeiro penso ter ouvido a voz de uma planta e agora tenho certeza que ouvi um passarinho falar.

Deve ser porque não estou acostumada com a liberdade, com a natureza, com os matos, com os bichos e com as plantas e então todo som maravilhoso que ouço me parece uma voz.

Deve ser porque estou feita passarinho quando passa anos e anos numa gaiola e quando é colocado em liberdade não sabe mais voar. Fica tão encantado por estar livre que não sabe mais o que é viver em liberdade.

Deve ser porque tudo isso, mesmo estando ao lado e bem próximo de minha casa, é muito estranho e muito novo, e até eu me acostumar vou achar que estou ouvindo vozes.

Talvez seja o vento que vem soprando e acho que os seus zumbidos soam como palavras. E as palavras do vento devem ser as mais sinceras que existem, pois não se preocupam em ficar repetindo e nem tem tempo para mentir.

Entrou no mato, mas não era mataria fechada, dessas de não poder caminhar por causa dos galhos, folhas e troncos.

Só era mais fechada na parte que dava para a casa, formando como se fosse um muro, pois dali em diante tudo era como um jardim sortido, numa efervescência de plantas pequenas em meio a uma única planta maior, grande, portentosa, parecendo centenária.

Essa planta maior e única existente naqueles arredores era uma árvore popularmente conhecida como umburana-de-cheiro ou simplesmente umburana.

Da familia fabaceae, de nome científico amburana claudii, era também conhecida por ambaúrana, amburana, angelim, cabocla, cerejeira rajada, cumaré, cumaru, cumaru, emburana, emburana de cheiro, imburana, imburana cheirosa, imburana de cheiro, louro ingá, umburana de cheiro.

Maria chegou adiante da árvore e disse bem sossegada que aquilo era que era uma árvore bonita, alta, majestosa, com a pele bonita e buscando sempre se renovar, pois via a árvore soltando uma fina casca para dar lugar a uma nova pele.

É uma umburana, mas gosta de ser chamada de cabocla. Ouviu uma voz falando perto do seu ouvido. Virou a cabeça assustada e viu novamente o passarinho.

Não tinha jeito. O passarinho falava e ela ouvia o passarinho falando.

E o passarinho repetiu que aquela árvore era uma umburana, mas gostava mesmo que lhe chamassem de cabocla.

continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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