A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 6

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 6

Rangel Alves da Costa*

Não demorou muito e a mãe lhe trouxe um espelho lindo, antigo, com a madeira da moldura toda trabalhada à mão, coisa de artesão, porém com brilho e reflexo que parecia novinho.

Maria fez festa nos olhos, fez festa no coração, fez festa no espírito e nas feições que reluziam de prazer e felicidade. Mas não se olhou no mesmo instante não.

Maria primeiro tomou um banho de cuia com água da bacia; esfregou a pele aveludada com bucha do mato; passou sabão de aroeira pelo corpo e escovou os dentes com folhas maceradas de juazeiro.

Depois Maria vestiu vestido de chita, não colocou nenhum enfeite nem cosmético sobre a pele. Não quis ser metade nem parte de outra, apenas Maria.

Maria não tinha anel, pulseira, brinco, brilhante, corrente, volta ou pingente. Não tinha perfume, pó, brilhantina, água de cheiro, talco cheirando a rosas, esmalte ou brilho.

Maria não tinha nada disso. Não tinha enfeite ou qualquer coisa lhe acentuasse as formas, a beleza ou a cor da pele. Mas não existia outra Maria igual, outra mocinha com igual formosura.

Vento bateu no cabelo, bateu uma vez e mais vezes. Vento gostou, vento gostava e foi secando o cabelo dela, deixando livre e solto, esvoaçando como seda estendida ao entardecer.

Descalça pelo quarto, sempre andava descalça por todo lugar, só depois que nem mais parecia aquela Maria agredida de instantes atrás é que tirou o espelho de onde estava escondido.

Colocou o espelho num preguinho da madeira do quarto, verificou se ele estava bem fixado, depois deu dois passos para trás e sorriu, e se encantou, e se contentou demais por se ver e se ter.

Era ela, pôde confirmar com alegria nos olhos e no coração. Era ela mesma, confirmava no sorriso, na pele macia, nos bonitos e tristes olhos, nos cabelos ainda acompanhados pelo vento.

E pelo ar foi surgindo uma doce melodia, uma suave música, um canto de anjos, um canto de paz, um canto de fogo, um canto de terra, um canto de água, um canto de fogo. Música.

E os pés nus de Maria pareciam viajar no valsado, voavam na sonata, davam suaves passos, girando levemente, rodopiando no compasso da menina dançante em pensamentos na frente do seu espelho.

Bailarina não era, não sabia dançar. Mas era bailarina sim, de Danúbio sertanejo, do lago do cisne agreste, da flauta mágica do mundo sem fim. E a menina bailava, e o espelho dançava.

Era ela, ainda linda, a mesma menina que se achava bonita porque não conhecia ninguém que fosse mais feia ou mais bonita, porque não conhecia praticamente ninguém, quase ninguém bonito ou feio.

Parou um instante e viu lá no fundo do espelho um vulto parado na entrada do quarto. Dava pra ver bem quem estava ali, conhecia quem era, e não poderia ser outra pessoa.

Virou a cabeça e encontrou os olhos vermelhos, o jeito nervoso e violento do seu pai. Era ele que estava ali. Havia entrado silenciosamente e certamente a tinha visto fazendo gestos de alegria e encantamento para um espelho. E por que outro espelho ali, se ele não queria?

Mas havia o espelho. Outro maldito espelho. O outro ele havia dado sumiço, mas ali havia outro espelho. O que ele iria fazer agora?

Que dança é essa mocinha, que espelho é esse que tá aí, que safadeza é essa aqui?

continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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