A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 5
A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 5
Rangel Alves da Costa*
Minha filha, já fui menina, já fui mocinha, já fui vaidosa, já me achei bonita demais. Também não tinha espelho e me espelhava no meu interior para saber como eu era.
Como assim, mamãe?
Se você não se conhecer por dentro jamais vai saber quem você é por fora. Se você não se acha bonita por dentro jamais terá beleza por fora.
É por isso que eu queria ter novamente o espelho para me espelhar. Sem aquele espelhinho velho que eu tinha ficou mais difícil de me conhecer.
Explique melhor, minha filha.
Porque só fico feliz quando me olho no espelho e me acho bonita. Sem o espelho não sei se ainda sou bonita e aí fico triste e feia por dentro.
Mas você terá o seu espelho de volta. Acho até que é já é bom demais você mesma se achar bonita. Quem não reconhece a própria beleza não há de esperar que os outros reconheçam.
A senhora disse que terei o meu espelho de volta, foi isso mesmo que ouvi?
Foi isso mesmo, você terá seu espelho de volta, mas não aquele carcomido pelo tempo, como se fosse gente envelhecendo no espelho. Aquele espelho que você tinha escondido seu pai encontrou e jogou fora.
Meu pai? E por que, mamãe?
Mas ele já explicou tudo quando veio aqui e lhe agrediu. Ciúmes, minha filha, ciúmes da menina que cresceu e agora é linda demais.
Por que ter ciúmes de mim?
Não só ciúmes, mas principalmente medo. Ciúmes de que outras pessoas possam olhar pra sua filha bonita e fazer nascer a raiz do desejo, que um dia irá acontecer.
Desejo de que, minha mãe?
Ora, minha família, você ainda é muito nova, mas posso dizer que mais dia ou menos dia algum olhar de um bom moço vai lhe enxergar e ter vontade de namorar.
Nem sei o que é namorar nem vou namorar nunca. Sozinha, vivendo sozinha, fechada, trancada, quase presa, distante de tudo e sem conhecer a vida ninguém faz nada.
Mas você não viver sempre assim. Seu pai sabe que não pode continuar mantendo você assim desse jeito, feito um bicho numa gaiola, sem ter terreiro pra ciscar e vida pra viver.
Ele não muda não e pelo jeito vai até trancar aquela janela e colocar uma porta com chave no lugar dessa cortina que tá aí.
Ele vai mudar e já está mudando. Por isso mesmo é que ele fica preocupado desse jeito, agitado e amedrontado, pois sabe que não pode continuar criando uma filha já mocinha desse jeito.
Ele tem medo que eu faça o que, mamãe?
Não somente ele, mas eu também tenho medo de muitas coisas. Tenho medo que você se engrace por alguém e goste dessa pessoa e depois deixe a gente sozinha aqui, nesse abandono todo.
Mas não vou fazer isso não, e principalmente porque jamais vou conhecer qualquer pessoa que não seja vocês.
Não é assim não, minha filha. As coisas mudam de repente. Hoje você tá aqui e amanhã já pode tá no mundo. Principalmente bonita como você, quando as portas do bem e do mal se abrem mais depressa ainda.
Não sou bonita, só sou triste.
Mas vai ficar mais bonita e alegre, pois vou lhe trazer um espelho para você se espalhar, guardar, sorrir e conversar com ele quando quiser.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com