A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 1

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 1

Rangel Alves da Costa*

Nasceu Maria. Nasceu Maria dos Santos. Somente isso, Maria, abençoada por Deus e todos os santos.

Nasceu filha de João dos Santos e Maria Nazaré dos Santos. Filha única de uma família pobre, muito pobre.

Nasceu no interior nordestino, num lugarejo chamado Nazaré das Marias. Era tanta Maria no lugar que tanto fazia uma Maria a mais ou a menos, assim o povo dizia.

Nasceu em meio à caatinga, à mataria, rodeada de bichos, no leito de massapê esturricado e sol queimando até quando era lua bem cheia, bonita demais de se ver.

Nasceu e cresceu como sua família, pobre em toda significação material da palavra. Graças a Deus que tinha a papa de farinha d'água, o barro para lamber e quase lama para beber.

Nasceu sem muita esperança. Nasceu somente criança, e criança que já é agraciada demais quando passa dos três anos, quando a doença não leva, quando começa a falar.

Cresceu assim como Maria. Menina de todo dia no mesmo jeito, no mesmo lugar, com a mesma porta, a mesma janela, o mesmo olhar e nada encontrar.

Cresceu menina de raiz bonita, da melhor semente sertaneja, do melhor jardim se ali existisse um. Não era menina não, todo mundo dizia. De tão linda era flor, era flor, era flor...

Cresceu com olhos de água de água de mar, talvez para o sertão molhar. Mar azul e verdejante, pois cada olhar da menina era céu e era paisagem de encantamento.

Cresceu morena sertão, da cor do sol quando queima um pouquinho e deixa na pele um jambo de cor bonita, morena avermelhada, trigueira, cor de índia verdadeira.

Cresceu de sorriso largo, dentes perfeitos na boca de perfeição, com face que lembra um sonho, desses sonhos sonhados que ninguém esquece mais.

Cresceu de cabelo escuro, escorrido no ombro, balançando ao sabor do vento e se espalhando pelo ar todas as vezes que corria pelos campos áridos ao entardecer.

Cresceu com corpo de estátua, daquelas mitológicas da Grécia de um dia, trabalhada na cuidadosa mão do escultor que quer deixar obra-prima para a posteridade. Mas era de carne a beleza.

Cresceu com passo certeiro, andando devagar e correndo ligeiro, apressada sempre para o banho no riachinho, para pegar preá na armadilha, para catar umbu debaixo do pé.

Cresceu menina manhã, sem escola pra estudar; mas menina inteligente, que aprendeu a ler e escrever só para sofrer muito mais, pois buscava em qualquer folha o que não tinha na vida.

Cresceu menina entardecer, sempre correndo para abrir a porta, sempre saindo para olhar a natureza, sempre subindo a montanha, sempre brincando com os passarinhos. Nunca teve boneca.

Cresceu menina anoitecer, mais triste quando a noite ia chegando, mais sentimental sem saber o que era isso, mais chorosa sem saber por que, mais apaixonada pela lua e estrelas, amiga da escuridão e da solidão.

Viveu essa vida até que um dia descobriu que já entendia da vida, que já sabia o que queria da vida, que já era mocinha para traçar seu destino, que já era tempo de pensar em si mesma.

Passou a viver com mil dúvidas, entremeada pela dor e solidão de quem vive sozinha no sertão.

continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

blograngel-sertao.blogspot.com