O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 25
O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 25
Rangel Alves da Costa*
Por mais que se esforçasse, o pai de Lucinha não entendia absoluta nada do que estava ocorrendo. Sem o dom e o poder de ouvir a voz das plantas, flores, dos animais e de tudo que havia ali, vez que somente o jardineiro e sua filha podiam compreender aquelas linguagens e gestos, ficava totalmente desnorteado diante da situação.
Achava intrigante que o jardineiro falasse como que sozinho e depois se comportasse como quem estivesse ouvindo alguma coisa. Ora, as reações de Seu Heleno eram as de quem ouvia muito bem, e não somente isto, pois o que aquela planta lhe dizia deveria ser muito importante para o homem se transformar daquela forma e desabar parecendo que havia morrido.
Nesse contexto, assim que o jardineiro desmaiou depois de ouvir algumas das muitas acusações que sobre si pesavam, Paulo correu até o local para socorrer o inconsciente e desafortunado senhor.
Bateu nos lados do rosto, sacudiu como pôde e enfim arrastou uma mangueira até ali e fez jorrar água até o homem começar a se debater dizendo que estava se afogando. Quando retomou a consciência, a primeira coisa que fez depois de se levantar foi agarrar a estrela-de-fogo furiosamente e estraçalha-la impiedosamente.
Nesse instante de fúria explícita e de covarde assassinato na frente de todos, o jardim em peso chegou ao máximo do delírio espantoso. "Socorram a estrela", "Chamem o médico, a ambulância, o enfermeiro, a parteira, o rezador", tal era o desespero ali existente. Ouviu-se até uma voz dizendo para chamar o jardineiro.
Já outras espécies diziam bem alto que "Prendam o assassino", "Foi o jardineiro, prendam ele", "Vamos acabar com ele agora mesmo, vamos matá-lo também". O sabiá tomou o rumo norte nesse mesmo instante e disse que enquanto vida tivesse não pousaria num galho dali mais nunca; a margarida, a orquídea e o malmequer desmaiaram de um jeito esquisito; o girassol murchou no mesmo instante, a flor do campo enlouqueceu de vez e começou a cantar bem alto.
Era triste de se ver o cenário ali existente. Uma planta detetive covardemente assassinada diante de todos, galhos, flores e folhas dilaceradas e espalhadas pelo chão e uma platéia sem saber o que fazer diante de tal absurdo. Era realmente cena de manchete de jornal.
As espécies e os entes visitantes que estava ali para ouvir a exposição da estrela-de-fogo estavam abismados com o que presenciaram. Mas, por outro lado, muitos já faziam planos para explorar da melhor forma possível aquele evento sinistro. Quisessem ou não, o fato teria repercussão mundial e quem soubesse explorá-lo melhor teria sucesso garantido.
A prímula, coitada, que já sabia que era a grande paixão da vida da estrela-de-fogo, se sentia impotente diante da situação, com a calma das viúvas que não atentam para a gravidade do fato e somente quando a surpresa vai passando é que começam a refletir tristemente sobre a realidade, viver as agonias e chorar as dores parecendo infindas.
E completamente perdido diante desse alvoroço todo, Paulo perguntou ao homem que já estava em pé se refazendo:
"Mas, afinal de contas, pode me dizer o que está acontecendo aqui? Por que esse jardim em pandemônio, essa bagunça toda, essa planta inocente violentamente destruída por suas mãos raivosas? O que você sentiu para desmaiar assim do nada, parecendo que tinha batido as botas? Por que ao levantar você agiu dessa maneira e avançou sobre a plantinha, destruindo-a totalmente?".
Mas o homem mostrava um cinismo de meter medo. Apenas sorria maliciosamente, começou a assobiar e nada de responder a qualquer dos questionamentos de Paulo. E este, agora muito mais nervoso e agitado, se voltou para o jardineiro e disse bem alto: "Você ouviu o que lhe perguntei? Então não se faça de sonso e responda agora mesmo".
"Ele não vai responder não papai, e não vai responder porque ele é um assassino!". Era Lucinha que falava, surgida naquele instante, para o máximo espanto de todos. "E chame a polícia senão ele vai fugir", arrematou.
Com efeito, o jardineiro tencionou sair em disparada, porém tropeçou numas ramagens surgidas naquele momento e ficou estendido no chão, tendo um dos pés do pai da menina sobre o seu corpo.
continua...
Poeta e cronista
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