O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 24

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 24

Rangel Alves da Costa*

Era realmente coisa de espantar quem não conhecesse aquela situação. A estrela-de-fogo em cima de um estrado, toda cheia de importância, de pose e chamando para si a máxima atenção da enorme e rebuliçosa platéia.

Bromélias, orquídeas, comigo-ninguém-pode, palmeiras, cactos, colibris, coleirinhos, tico-tico, beija-flores, canários, sabiás, xexéus, pardais, coelhos, sapos, aranhas, formigas, insetos os mais diversos possíveis, doninhas, violetas, lírios, antúrios, margaridas, crisântemos, girassóis, hortênsias, copos-de-leite, avencas, malmequer, sabonetes, brilhantinas, gramas, gramíneas, tudo, ou quase tudo estava ali para observar atentamente o que a estrela-de-fogo iria anunciar com tanto ímpeto e estardalhaço.

E de repente, porém somente podendo perceber os iniciados nas artes eólicas, nas magias da natureza e nas forças astrais, começaram a tomar posição pelos ares e nos esconderijos a filha do rei do vento norte, que estava em aprendizagem de feitiçaria; duendes, elfos e gnomos vindos diretamente das terras do nunca nunca; rabos de cometas, rastros de estrelas candentes, pó de estrelas e pedacinhos embranquecidos de nuvens adolescentes.

Todos, sem distinção, interessados em assistir aquele momento histórico, relatar os acontecimentos para os seus superiores e assim poderem obter as chaves para desvendar todos os mistérios existentes no universo. E como souberam que tão importante evento iria acontecer? Ora, a estrela-de-fogo fez subir pelos ares uma mensagem com pólens de flores virgens que se espalharam por todos os cantos e recantos e atiçou a curiosidade em todos.

Por sua vez, mais confortado pela nova situação criada, vez que por enquanto estava livre de dar explicações maiores ao pai de Lucinha, ainda assim o jardineiro se dirigiu ao centro do tumulto e perguntou bem alto o que significava aquela bagunça toda, exigindo urgentes explicações. E foi quando a planta detetive pediu que se aproximasse mais e lhe segredou ao ouvido:

"Vou cumprir agora o que prometi quando fui trazida até aqui para desvendar a morte das rosas. Você deve saber bem disso porque foi quem me contratou, quem me deu tal incumbência e exigiu que eu mostrasse serviço. Então chegou o momento de mostrar as conclusões do meu trabalho e surpresas virão de fazer folhar voar, cipó se quebrar, planta desmaiar, bicho se envergonhar, terra tremer e flor se arrepender do dia que nasceu. Você vai ver e vai ser agora...".

"Mas você está louca. Desça já daí e desista de fazer e falar besteiras. Se não descer daí agora mesmo sou capaz de derrubá-la com um pontapé, bem diante de todos. Desça daí já sua detetive louca. Ou desce ou não vai sobrar em você nem um galho pra usar bengala, sua desgraçada malcriada. Ademais, saiba que você não pode abrir a boca um tantinho assim antes de me avisar, de me contar tudo que descobriu, de me pedir permissão. Você não está pensando agora em citar um só nome sequer sem antes me falar quem é, o que pesa como acusação e todas as provas que tem para incriminar, não é mesmo? Se pensar em fazer isso sem minha permissão pode saber que hoje mesmo você não existirá mais nem nos livros de botânica. Só faltava essa, você acabar com a vida de uma planta, um passarinho, um bicho ou uma flor neste momento só porque se acha no direito de detetive. Você até que pode descobrir a verdade, mas quem dá a palavra final aqui sou, ouviu bem? O que quero dizer é que pouco importa se sicrano ou beltrano matou ou não, pois o assassino ou a assassina será quem eu quiser. Se eu disser que foi a goiabeira então pronto, foi e tá acabado. Até se eu disser que foi você ficará sendo e tá acabado..."

"E se eu disser agora, em alto e bom som que foi você, seu jardineiro de uma figa, como é que fica? Pois venha, tente me tirar daqui, tente me impedir de fazer o que quero para ver se não abro a boca e digo parte, apenas parte de algumas coisinhas que andei descobrindo que você faz...".

Falou uma estrela-de-fogo enraivecida, ameaçadora, disposta realmente a cumprir o que dizia. E tais aspectos e atitudes deixaram o jardineiro numa agonia maior ainda, sem saber o que fazer, num medo de se mijar nas calças. E tremendo dos pés a cabeça, quase desfigurado pelos temores, perguntou bem baixinho: "Mas o que é que você sabe sobre minha pessoa?".

E a estrela-de-fogo começou a assoviar como se não tivesse ouvido nada. Foi preciso que o temeroso homem repetisse duas vezes a pergunta para que ela se aproximasse do seu ouvido e falasse:

"Você é traficante de órgãos de plantas recém nascidas; você esconde veneno suficiente para matar o jardim inteiro de uma vez só e pretende fazer isso brevemente; você é invejoso, mau caráter, odeia todos dessa casa e desse jardim e rouba espécies de flores raras para vender para o mercado negro da jardinagem, e você...".

E o jardineiro, com um sorriso diferente na cara, foi desabando aos poucos até cair de vez no chão. Não suportou ouvir as descobertas e desmaiou.

continua...

Poeta e cronista

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