O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 21

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 21

Rangel Alves da Costa*

A estrela-de-fogo, qual fez uma rainha humana certa vez, maldisse o lugar que estava, limpou a terra incrustada na raiz para não levar nem resquícios onde fosse, segurou a maletinha de planta detetive, mas quando ia dando o primeiro passo para correr dali, avistou a prímula feito um sol enorme e radiante diante de si. O coração fraquejou, a força para seguir acabou, a planta desistiu por amor.

Contudo, disse a si mesma que redobraria os esforços investigativos para terminar o mais rapidamente possível os seus trabalhos ali, mesmo tendo certeza que teria de agir dali em diante com duplo objetivo: elucidar o caso e fazer tudo voltar à normalidade e provar a inocência de sua prímula.

Em questão de minutos elaborou um plano que se desse certo adiantaria em muito o seu lado investigativo e confirmaria ainda mais a sua fama de estrategista. Entretanto, se as coisas não saíssem como imaginado seria o fim de tudo, pois sua prímula seria a primeira a ser condenada, mesmo que injustamente.

E traçou as linhas de ação com os seguintes objetivos: Primeiro chamaria o jardineiro e afirmaria que havia encontrado provas mais que suficientes para apontar o nome do responsável pela morte das rosas; depois pediria que convocasse para a manhã seguinte uma reunião com todas as espécies do jardim, de modo que pudesse ler o seu relatório diante de todos, finalizando por dizer o nome do infrator; em seguida, como estratégia final, ela mesma daria uma de advogada e defenderia com veemência, com unhas e dentes, o acusado da prática do crime.

A acusação logicamente deveria recair sobre a prímula. Seria demonstrado como e porque ela praticou o ato, quais as motivações e os meios que se utilizou para consumar a prática delitiva, além de dizer quais as penas que sobre ela deveria incorrer. E aí é que entraria em campo sua inteligência, sua força persuasiva e sua capacidade de reverter situações.

Provaria que qualquer um naquela situação cometeria o delito, numa espécie de legítima defesa, fazendo com que as outras espécies, ao invés de querer linchar a prímula ali mesmo, a erguessem nos braços, confortando e acarinhando, dando plena razão pelo ato praticado e colocando um ponto final naquela história toda.

Conseguindo tal intento, ao mesmo tempo acusando e absolvendo a prímula, certamente esperaria que o seu reconhecimento não viesse de outra forma a não ser correspondendo o seu amor. Esse seria o único jeito de adentrar naquele coraçãozinho perverso, dizia a si mesma.

Mas por outro lado ficava entristecida porque sabia que se essa armação toda não desse certo seria o seu próprio fim e o de sua amada, além do que não havia resolvido outro problema crucial, que seria trazer de volta o sorriso da menina.

Mas sabia também que desvendar o crime não seria suficiente para trazer o sorriso de Lucinha de volta. Como já percebia claramente, o roubo do sorriso da menina havia deixado de ser um problema da realidade material para se transformar numa questão do outro mundo, do mundo do desconhecido, do mundo dos mortos, do mundo espiritual.

Se as rosas não tinham ainda conseguido descansar ou pagar os castigos que merecessem no mundo dos mortos e continuavam a vagar pelo jardim e arredores, como ela mesma havia sido testemunha, era porque tinham ainda uma missão a cumprir no jardim. Estavam sob condição: ou reparariam os erros cometidos na terra ou não receberiam o perdão para o descanso eterno.

E tal missão só poderia ser trazer de volta o sorriso da menina, pois certamente as forças superiores que comandam a vida após a morte não aceitavam de jeito nenhum dar o destino final aos espíritos das rosas se eles continuassem contaminados pelo pecado do roubo do sorriso de uma inocente.

Seria impensável decidir sobre qual das duas portas os espíritos entrariam se antes as próprias rosas não dessem um jeito naquela situação. O problema é que estavam mortas e os mortos ficam vagando até finalizar uma missão imprescindível na terra. Por isso mesmo é que já haviam aparecido para Lucinha, para a própria estrela-de-fogo e para tantas outras espécies.

Quando apareceram no quarto de Lucinha e exigiram que ela matasse quem as matou, tal procedimento certamente se deu porque o fato ainda estava muito recente, as rosas ainda não haviam deixado completamente seu lado carnal e se transformado em espírito, por isso mesmo estavam revoltadas e exigindo o que aos mortos não é permitido fazer.

Agora, quando nas rosas já prevalecia a condição puramente espiritual, eis que elas surgiam como aparições e a qualquer instante diriam como fazer para que o sorriso da menina retornasse. Ademais, a cada dia que passasse e os seus atos não fossem reparados na terra, os seus espíritos sofreriam cada vez mais e estariam impedidas de ter o destino dos mortos que merecessem.

continua...

Poeta e cronista

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