O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 17

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 17

Rangel Alves da Costa*

Depois desse estranho acontecimento logo cedinho, a estrela-de-fogo fechou os olhos para poder raciocinar melhor, tentar juntar as peças daquele quebra-cabeça, procurar lembrar de qual flor tinha vindo aquela voz e até confirmar se aquela pessoa que estava ali, com a voz e todas as características do jardineiro, era ele mesmo.

Em certos instantes dizia a si mesma que a voz ouvida no embaralhamento do instante só poderia ter vindo ou da azaléia ou da calêndula, mas noutros instantes afirmava que não tinha mais dúvidas de que aquela voz era mesmo ou da dália ou da prímula.

Para afastar tantas dúvidas, puxou alguns escritos dos seus arquivos e passou a analisar as características e os comportamentos daquelas quatro flores: a azaléia, a calêndula, a dália e a prímula. Leu e releu os dados de cada uma e foi eliminando uma por uma.

A primeira a ser eliminada foi a calêndula, por ter uma relação íntima com o sol e não poderia estar com aquele gás todo àquela hora da manhã; a segunda foi a azaléia, pela justificativa de que uma flor tão experiente como aquela e que é demais conhecida por todos não iria cair numa jogada daquelas; a terceira eliminada foi a dália, simplesmente porque é uma flor que necessita de muita proteção contra a ventania e por isso mesmo não poderia estar exposta àquelas condições climáticas naquele instante, com ventos fortes e ameaçadores.

Por último restava a prímula, que a estrela-de-fogo fez de tudo para descartar, porém sem conseguir seu intento, pois tudo, mas tudo mesmo, permitia concluir que aquela flor que conversava com o jardineiro era realmente a danada da prímula. Mas por quê?

Ora, a estrela-de-fogo já havia lido e relido a sua ficha três vezes, de trás pra frente e da frente pra trás, virado a folha de ponta cabeça, lida pelo verso e anverso, e tudo indicava ter sido ela mesma, não tinha jeito. Contudo, além da voz muito parecida àquela que foi ouvido, um fato particular constante da ficha da flor serviu como base de resposta.

Na ficha simplesmente constava que a prímula é consangüínea das rosas, da mesma espécie e da mesma ampla família, só que guardando grandes desavenças entre umas e outras. Eis o teor da ficha:

"Prímula – a primeira rosa primaveril: Chega alegre, linda, majestosa e sorridente, garbosamente sentada na carruagem que traz a primavera e seus encantos. Surgida na Inglaterra com o nome de "Primrose", passou a ser conhecida pelo resto do mundo como primeira rosa, daí ser prímula, primeira. É uma bela planta com hastes longas que sustentam cachos de flores brancas, cor-de-rosa, púrpura, salmão ou lilás. A folhagem, também muito vistosa, circundando as flores, forma uma espécie de "embalagem" verde e aveludada. Trata-se de uma das mais bonitas plantas floríferas. A grande variedade de cores e a delicadeza das prímulas a tornam uma planta versátil, muitas vezes adentrando no meio de outras flores para confundi-las. Dizem que só faz essas incursões para apagar o brilho das outras, fazê-las enciumadas ou se sentirem inferires. Possui uma folhagem que pode causar alergia em algumas pessoas, plantas e flores. Em muitos casos, utiliza uma toxina altamente alérgica que faz seus inimigos sangrar e morrer rapidamente. Chamam sua voz de canto de sereia, pois possui um tom enigmático e de mau presságio. Possui como maiores inimigas as rosas, que são da própria raça, espécie e família, mas que se traem e se ferem mortalmente, de minuto a minuto, desde os tempos em que as flores reinavam soberanas em castelos de sonhos".

Mas não há de ser outra. Infelizmente tudo aponta e diz que a voz ouvida há instante atrás era mesma a da prímula, dizia consigo mesma a surpreendida e abatida estrela-de-fogo. Pensar tanto, fazer tantas deduções e induções, chegar àquela inesperada e dolorida conclusão fez com que ficasse exausta, cansada logo ao amanhecer, precisando dormir ao menos dez minutos. Quando acordasse reordenaria os pensamentos e tomaria as providências cabíveis.

E dormiu pesadamente. E começou a voejar na mente adormecida e veio um sonho bonito na brisa, que foi clareando mais quando montou no cavalo do vento. E veio e veio, e vindo mais, tomando a mente o sonho lindo, maravilhoso, que já trazia no seu instante maior a face de sua amada. A face da prímula.

Dormindo, a planta detetive sonhava com seu amor, pois estava apaixonada. Desde o instante que colocou a raiz naquele jardim e levantou o olhar para as flores que se deparou com os olhos da prímula e nasceu repentinamente uma paixão arrebatadora.

A estrela-de-fogo detetive dormia e sonhava com a prímula, o seu grande amor escondido. Amor este que poderia ser bandido, pois naquele instante tudo a relacionava com a morte das rosas. E agora estrela-de-fogo, o que fazer quando acordar? Qual a razão do amor nesse momento?

continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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