O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 15
O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 15
Rangel Alves da Costa*
Quando o jardineiro avisou para que todos ouvissem que não demoraria muito para chegar uma planta desconhecida que investigaria tudo e apontaria o culpado ou culpados, estava prestando um desserviço aos futuros trabalhos de investigação.
Sabendo de antemão que a planta trazida até o jardim com todas as pompas da jardinagem era uma detetive, logicamente que todas as espécies ficaram com um pé atrás, com acabrunhamentos, o que realmente trouxe consequencias desagradáveis.
A primeira dessas nefastas consequencias de não se guardar segredo sobre tão importante aquisição, foi que nenhuma das espécies viu a chegada da estrela-de-fogo com alegria, com bons olhos ou qualquer tipo de contentamento. Pelo contrário, todas passaram a vê-la como intrujona, verdadeira inimiga e possível responsável pela desestabilização da vida no jardim.
A segunda consequencia foi a transformação total no jardim de uma hora para outra. Ora, mesmo com as brigas, os ciúmes, as confusões e todos os tipos de desavenças, o local era compartilhado por quase todos de forma alegre e festiva, com festas e brincadeiras a perder de vista. Mas com a presença da forasteira não, pois tudo passou a ter uma sensação de vigilância que impedia qualquer ato mais tolerante.
A terceira e talvez a mais importante das consequencias foi que a partir da chegada da estrela-de-fogo, começaram as tantas e tantas falsidades e traições que pareciam intermináveis. Cada um querendo livrar sua pele, seu tronco, folha, flor ou raiz, era forçado a jogar no outro a culpa pelo ocorrido. Todos se olhavam com desconfiança, mentiam entre si, se traíam e transformavam o jardim num deplorável redemoinho de conversinhas e acusações ocultas.
Plantas seculares, de notória seriedade e honestidade, agora se envolviam em futricas e disse-me-disse. Avencas que eram sinônimos de pureza e castidade, agora tinham os seus nomes citados negativamente nos esconderijos das acusações mais nojentas; lírios brancos, que de vez em quando eram requisitados para entrar nas igrejas acompanhando as noivas, agora viviam com suas reputações praticamente no lamaçal; o copo-de-leite nunca foi olhado com tanta desconfiança, chegando a ter sua honra quebrada gratuitamente; até as rosas falecidas eram citadas como causadoras do próprio infortúnio e por isso mesmo deveriam estar na podridão das almas abjetas.
E tudo isso ainda é apenas uma parte do circo dos horrores em que se transformou o jardim. O colibri ficou gripado e se afastou por dois dias do jardim e não deu outra: o safado está se escondendo, querendo sumir porque deve ter culpa no cartório, diziam as línguas ferinas. O coelho passou a não suportar mais ser olhado com tanta desconfiança e em certo momento cavou até a raiz duas plantas e disse que se não parassem com aquilo iria fazê-las em pedaços. Chegou aos ouvidos do girassol que andavam dizendo que se o sol tivesse vergonha na cara não refletia mais com seus raios sobre uma flor covarde e assassina.
As orquídeas, famosas no jardim por formarem uma família muito unida para o que desse e viesse, passaram a ter a reputação arruinada pelos próprios parentes, que faziam afirmações que nem o pior inimigo teria coragem de fazer. E de conversa em conversa foram dizendo que o bico do beija-flor era arma afiada e ainda suja de sangue, que a não-me-toque não queria que chegassem perto dela para que não fossem descobertas as tantas evidências do crime praticado, que a tulipa e a flor de lótus eram tão frias e desumanas que matavam e depois se vestiam de luto.
Quando saía pelos canteiros, naquele caminhar pelo vento que somente as plantas e flores sabem fazer, a estrela-de-fogo detetive ouvia conversas de arrepiar os cabelos e esvoaçar polens. Parece mentira, mas a hortênsia disse que o antúrio tinha ouvido da margarida que lhe disseram que a violeta tinha ouvido da dracena que a gardênia sabia quem era o assassino, pois ouviu do jasmim que, por sua vez, já havia ouvido da flor do campo. Mas como quem tinha dito à flor do campo havia sido a mentirosa da maria-sem-vergonha, toda aquela corrente de ouve-dizer podia acabar dando em nada.
Contudo, numa manhã de chuva fininha, de repente a estrela-de-fogo fez uma descoberta que poderia ser a peça-chave para desvendar o assassinato das rosas.
continua...
Poeta e cronista
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