O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 13
O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 13
Rangel Alves da Costa*
Aquela cantiga tristemente cantada por Lucinha continuaria como reflexo do seu espírito. Aquele momento de expressão mais viva acabou com a música, no instante seguinte e já era a menina triste no seu alegre e misterioso jardim.
As flores gritavam o seu nome, acenavam, davam psius, jogavam pétalas em sua direção, mas não tinha jeito. Um passarinho pousou no seu ombro e cantou a mais bela cantiga de avoar, mas não teve jeito. Bem diante dos seus olhos surgiu um beija-flor pairando e sorrindo, beliscando seus cabelos, dando beijos no seu rosto, mas ainda assim não teve jeito.
Caminhou em direção ao pé de roseira, ficou por uns três minutos silenciosamente parada em frente dela, até que acenou para o jardineiro chamando ele ali. Quando Seu Heleno chegou logo ouviu:
"Cuide bem dessa roseira. Ela não tem culpa de nada. Nossas mães nem sempre têm culpa pelo que fazemos. Cuide bem que é pra ver se logo logo outras rosas bem bonitas nascem nesse jardim. E veja o que é aquilo ali". E apontou para um pequeno broto, surgindo escondido num galho da planta.
"Mas isso aí Lucinha é o sinal de uma nova rosa vai brotar brevemente. Quanto a cuidar dela não se preocupe não, pois faço isso todos os dias, igualzinho faço com as demais", falou Seu Heleno. E prosseguiu: "A menina não estaria interessada que o amigo providenciasse um belo arranjo de flores para levar para o seu quarto? Certamente irá ter mais alegria com elas ao seu lado".
"Não, não precisa não. Os arranjos de flores têm vida curta. Tudo é bonito apenas por alguns instantes, mas depois vai perdendo a beleza, as cores, se enfraquecendo, até cair pétala por pétala. O pior é saber que elas sofrem muito, sabendo que estão morrendo e que não terão como sobreviver mais tempo de jeito nenhum. É muito doloroso para as flores e não quero que elas passem isso não. Prefiro que você leve uma planta que não dá flores e coloque o caqueirinho na minha janela. Leve uma que seja esperta, que enxergue bem o que acontece e esteja atenta a tudo. Só isso".
Há dois dias que Lucinha não havia falado tanto como dessa vez, mesmo que levasse um tempão para dizer essas poucas palavras, se arrastando na pronúncia e as expressões saindo fraquinhas e quase inaudíveis para o jardineiro. Contudo, menos mal para quem parecia distante do mundo, ficou pensando sua mãe mais adiante. E quem dera se ela quisesse cantar novamente, e cantar mais e mais...
Ao retornar para casa pediu à mãe para dormir no seu quarto àquela noite, pois não queria dormir sozinha no seu próprio quarto. Indagada pela mãe sobre o porquê desse medo de ficar sozinha, disse apenas que não era por nada não, apenas queria dormir com os pais aquela noite.
Contudo, Lucinha tinha outro motivo para se sentir amedrontada. Não disse isso a ninguém não, mas enquanto estava no jardim teve a certeza de que as rosas mortas estavam por ali em algum lugar, vez que sentiu a presença delas de alguma forma, chegando até mesmo a vê-las rapidamente caídas no chão por detrás da roseira. Coisa muito rápida, de segundos, e elas desapareceram.
Enquanto isso, a estrela-de-fogo procurava tomar pé da situação por todo o jardim. Cuidadosamente olhava tudo que acontecia por ali, ficando atento aos menores gestos, olhares, palavras, atitudes, mudanças comportamentais. Tinha que ser assim, pois primeiro deveria estudar o comportamento e as feições de cada espécie, incluindo fauna e flora, para chegar a possíveis culpados pela morte das rosas. Por enquanto, todos eram suspeitos, mesmo aquela humilde formiguinha que caminhava de um lado para o outro o dia inteiro.
Na verdade, a estrela-de-fogo detetive já estava com um plano detalhadamente elaborado para realizar e concluir suas investigações. Até previsão de penas já tinha. E no seu planejamento constava elaborar relatório sobre o ambiente em geral, descrição dos grupos que mais eram amigos ou inimigos das rosas, os motivos dessa amizade ou inimizade, o detalhamento das espécies capazes de ter cometido o ato e os motivos para a prática do crime, até chegar ao real culpado ou culpada pelo delito.
Por isso mesmo já começava a passar os olhos por algumas espécies de flores e confrontar com algumas anotações que trazia escondidas. As primeiras descobertas interessantes começariam daí.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com