O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 8

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 8

Rangel Alves da Costa*

Lucinha não estava mais visitando o jardim como de costume. Antes de o sorriso ser roubado e a tristeza começar a tomar conta de si, assim que acordava ia passear entre os amigos, conversar com eles, observar se tudo estava em ordem. Do mesmo modo fazia quando retornava da escola e em vários outros momentos do dia. Mas era ao amanhecer e ao entardecer os instantes de maior diálogo, de maior proximidade, de maior envolvimento.

Verdade é que para ela, a morte das flores foi apenas mais um acontecimento diante de tantos que se somava para aumentar ainda mais o seu entristecimento. Estava triste, e pronto. Os motivos pouco importam quando tudo parece ajudar a tristeza.

Daí não sentir nenhuma motivação ou encorajamento para fazer quase nada, fosse no quarto, dentro da casa ou no jardim. A orientadora educacional da escola já havia telefonado para os seus pais perguntando sobre o que estava acontecendo.

Quando o jardineiro gritou diante do solar, próximo à janela do quarto, dizendo que precisava que ela fosse até o jardim para ver a nova planta que havia chegado, Lucinha estava sentada num canto do quarto, com os olhos fixamente voltados para passarinhos de plásticos dependurados desde o teto. As lágrimas desciam sobre o rosto e uma palidez dos doentes começava a tomar conta da bela e vivaz menina.

Quando ouviu os gritos do jardineiro pela segunda vez, e não querendo mais ser incomodada, levantou sem enxugar os olhos e foi até a janela simplesmente dizer que dali há instantes iria até lá. Até a voz havia mudado, estava mais fraca, quase inaudível.

Seu Heleno ficou espantado, sem acreditar quando viu o aspecto da menina. Ele mesmo ficou entristecido com aquela situação e imediatamente deu a volta pelos lados da casa e foi ver se encontrava os pais dela para relatar o que tinha visto. Por sorte encontrou os dois na sala naquele momento.

"Seu Paulo e Dona Nadir, me desculpem estar aqui desse jeito e até pra falar de uma coisa que nada tem a ver com o jardim. Lá está tudo bem. Probleminhas ocorrem, mas está tudo bem. O problema é com aquela que se diz dona do jardim, a pequena Lucinha. Acreditem, mas fui até a janela do quarto para avisar a ela que havia chegado uma nova espécie de planta no seu jardim e eis que me aparece na janela a tristeza e o desalento em pessoa. A bichinha apareceu com o rosto ainda banhado em lágrimas, com os cabelos em desalinho, com os olhos do outro mundo e o rosto também. Fiquei até assustado quando vi as feições da menina, e por isso mesmo vim até aqui relatar o ocorrido, de modo a que vocês vão imediatamente até lá para ver o que está se passando com a nossa amiguinha. Era só isso que eu tinha a dizer. Desculpe, obrigado e até mais ver".

"Não há do que pedir desculpa Seu Heleno, nós é que devemos agradecer ao senhor por ter se preocupado e vindo até aqui para nos informar sobre Lucinha. Nós também estamos achando que ela anda muito estranha, triste e arredia demais. Ninguém vê mais ela brincando, cantando, conversando, correndo por aí. Nem comer quer mais. A mãe comprou maçã do amor, que é uma das coisas que ela mais gosta, mas ficou ali sem ao menos beliscar...". Falava o pai, quando foi interrompido pela mãe:

"E lembre Paulo do telefonema que a direção da escola nos deu informando sobre o jeito esquisito dela também em sala de aula e durante o recreio. Disseram que ela não fala com ninguém, vive de cabeça baixa e toda triste, só faltando mesmo soltar um rio de lágrimas diante dos coleguinhas. Temos até que ir lá. Mas muito obrigado Seu Heleno e cuide muito bem daquele jardim maravilhoso, que na verdade realmente pertence a Lucinha. E se estiver precisando de alguma coisa pode nos procurar. Está bem?".

Quando o jardineiro saiu, os pais de Lucinha ficaram se olhando sem conseguir encontrar palavras. E num instinto correram até o quarto e entraram sem bater na porta. Encontraram apenas os passarinhos se balançando ao sabor do vento que entrava pela janela.

Olharam por todos os lados, de cima a baixo, e não avistaram nem sombra da filha. Chamaram pelo nome da menina e repetiram os chamados por diversas vezes, sem nenhuma resposta. Até que ouviram sons fraquinhos de soluços que vinham debaixo da cama.

continua...

Poeta e cronista

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