O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 7

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 7

Rangel Alves da Costa*

Quando a acácia gritou dizendo que sabia quem havia matado as flores o jardim em peso se transformou num pandemônio, num rebuliço só, em incontidos gestos de espanto e de agonia. Não havia uma só flor, um pé de planta, um pássaro, um bicho, nada, que não estivesse atônito e amedrontado.

"Já que sabe diga logo. Desvendando logo esse crime e logicamente aplicando a punição devida àquele ou àquela que praticou tão sinistro ato, depois iremos atrás das outras coisas. Iremos procurar um jeito de devolver o sorriso à menina Lucinha, nem que para isso tenhamos de desenterrar os mortos. Vamos, diga logo acácia!...". Ordenou o jardineiro.

E a acácia, que é flor caracterizada pelo comedimento e pela honestidade, olhava para todos e começou a soltar a maior gargalhada, sorrindo espalhafatosamente sem parar, até que enfim começou a dizer entre soluços causados pelo riso solto:

"Fui eu, quem matou fui eu! Fui eu, quem matou fui eu...". E começou a cantarolar bem alto, como se estivesse completamente transtornada: "Fui eu, quem matou fui! Fui eu, quem matou fui eu!...". E repetia parecendo que não ia mais parar, até que o jardineiro deu um grito mais alto ainda, para espanto das outras flores que já estavam mais calmas pelas palavras insanas da outra. Dizendo coisa com coisa acabou não acusando ninguém.

O que se pensava que seria coisa séria, que realmente apontaria nome ou nomes, terminou em frustração. Enraivecido, Seu Heleno apontou o dedo para a flor enlouquecida e disse com voz ameaçadora:

"Eu sei o que tenho para mentirosos e doidos. Vou buscar agora mesmo um remédio que você vai tomar e dormir dois dias sem parar. Vai ser coisinha simples, vou juntar uma porção de pesticida, outra de agrotóxico do mais arrebentador que houver, mais uma de fungicida e inseticida, e ainda mais uma de veneno de matar rato. Você abriu a boca e falou besteira, mostrou que está completamente enlouquecida de vez, então o remédio para doida igual a você é a mistura que vou fazer. Mas vou dizer uma coisa e é bom que você não esqueça quando acordar desse sono profundo: ainda vai ter que explicar direitinho essa conversa de ter matado as flores. Ouviu bem?"

Quando o jardineiro saiu em direção ao depósito para preparar as dosagens e fazer com que a acácia tomasse, todas as espécies do jardim se olharam, conversaram rapidamente e decidiram por unanimidade que para o bem de todos e até da própria acácia ela deveria ser eliminada naquele mesmo instante, deveria ser morta. Cochicharam rapidamente e combinaram as armas.

Eliminando a louca da acácia ficariam despreocupados que mais tarde ela pudesse abrir a boca para acusar um ou outro de verdade ou até fazendo recair injustamente sobre uma espécie a prática do crime. E morrendo em plena loucura até que seria menos mal e doloroso para a própria planta, que dali há instantes teria que tomar poderosíssimos venenos e talvez nem suportasse tanto sofrimento.

Assim, quando Seu Heleno chegou com uma espécie de mamadeira grande contendo os remédios já encontrou a acácia desacordada, sorrindo, como se quisesse falar. Estava mortinha da silva. Dessa vez todos sabiam quem teve a incumbência de fazer aquilo, menos o jardineiro logicamente. E porque todas sabiam e fizeram um pacto para praticá-lo, certamente nem o mais esperto dos detetives descobriria. Ao menos era o que pensavam.

Quando Seu Heleno se aproximou da acácia e constatou o fato, jogou o remédio pelo chão e gritou novamente:

"Nem mais um segundo, vou buscar agora mesmo uma planta investigadora, dessas que chamam de invasoras por não fazer parte das espécies ruins que são vocês. E vou logo avisando que planta invasora em jardim com espécies nativas vem logo chegando com a maior fúria, pra acabar com tudo, pra não deixar pedra sobre pedra. Sorte de vocês que quando ela descobrir quem andou matando por aqui darei um jeito de devolvê-la ao seu lugar de origem. Isso se eu consegui, pois uma vez fincada na terra a planta invasora não quer sair mais de jeito nenhum".

E saiu, ninguém sabe pra onde, em busca de uma planta originária de um outro país, de um outro bioma, exótica como muitos chamam. Uma vez instalada num jardim dificilmente as espécies nativas terão condições ou chances de competir com ela. Torna-se predadora das outras.

continua...

Poeta e cronista

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