O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 5

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 5

Rangel Alves da Costa*

Lucinha deixou o centro jardim triste como chegou. Pediu apenas ao jardineiro que tomasse as previdências necessárias e saiu cabisbaixa por entre os canteiros, sem ao menos olhar de relance para qualquer planta ou flor. Foi mais adiante, para a solidão.

Não durou muito e as flores puderam avistá-la na janela como se alguma coisa ruim afligisse seu pensamento, algum problema grave fizesse perder o dom de manter os olhos sempre brilhantes, a feição plena de contentamento e a boca sempre pronta para o sorriso.

Quando voltava ao jardim e caminhava pelos arredores, não era mais aquela menininha feliz, contente com tudo na vida, tirando brincadeiras com todos que encontrasse pela frente, derramando água na sede de suas amigas e afastando fuligens para que ficassem sempre belas e perfumadas.

Por não conversar nem brincar mais com ninguém, tratando com frieza e distanciamento suas velhas conhecidas, o que fazia Lucinha era sentar num banco mais afastado e ficar o tempo todo com a cabeça baixa ou virada para cima, em direção ao horizonte, às nuvens, às distâncias incompreendidas pelas flores, que ficavam olhando procurando entender o que realmente estava se passando.

Uma violeta chegou a dizer para que todas as flores ao redor ouvissem: "Depois que as outras passaram dessa pra melhor, pensei que a gente recebesse mais atenção de Lucinha. Mas não, muito pelo contrário, pois a menina antes tão reluzente agora parece que vive com medo de alguma coisa, toda diferente que nem parece com aquela pestinha gente fina que vinha conversar e brincar com o jardim inteiro...".

Um lírio disse em seguida: "Mas aí é onde está o problema, e muito grave deve ser esse problema. Se ela conversasse com a gente seria mais fácil de saber se é algum problema familiar, as notas que não estão boas na escola ou mesmo algum presente que ela pediu e os seus pais não compraram ainda. Mas se não for nada disso o problema cresce mais ainda, pois ela ainda não está em idade de ficar triste por causa de namoradinho, ainda não tem o coraçãozinho pronto para as coisas da paixão. Resta pensar somente que pode ser alguma coisa que diga respeito ao jardim, com a gente, com as plantas ou os bichinhos de estimação que vivem por aqui. Passarinho não, pois passarinho não faz raiva a ninguém, a não ser a eles mesmos, como ocorreu com aquele sabiá apaixonado pela flor do meio e que quase morre junto com ela..."

"Por falar em flor do meio, lembro bem que a última vez que vi Lucinha alegre foi precisamente quando se aproximou da roseira para conversar alguma coisa com as rosas. Chegou ali toda faceira e radiante, mas num segundo, coisa de segundo mesmo, e a menina já ficou toda mudada, com aquele aspecto triste demais que continua até hoje. Será que?...".

O crisântemo ia continuar falando quando foi bruscamente interrompido por um copo de leite: "Será que você está pensando o mesmo que eu?". "Mas pensando em que, menina, se eu não disse nada do que estava pensando?", e o crisântemo interrompeu para perguntar. Então foi a vez do girassol entrar na conversar:

"Não queria me meter nisso não, mas já que ouvi vocês conversando essas coisas vou dizer o que penso, ou melhor, fazer uma pergunta e depois que vocês responderem continuarei a dizer o que penso. É o seguinte: vocês acham que essa tristeza toda na menina tem alguma coisa a ver com as rosas?"

E as flores se olharam espantadas, totalmente emudecidas sem saber o que responder. E o girassol continuou: "Pois acho que sim, que foram aquelas flores com ciúmes da gente e com raiva de Lucinha, já que ela nunca escondeu que gostava mais da gente do que delas, que fizeram alguma coisa para roubar o sorriso da menina. O pior é que se pensaram em fazer isso conseguiram mesmo, pois veja lá como está a bichinha. O problema é que as flores morreram levando consigo o segredo para afastar a tristeza e trazer a alegria de volta. E se foi isso mesmo estamos com um pepino sério para resolver. Um não, dois, pois vocês sabem que as rosas não morreram de causa natural, mas foram assassinadas. E quem matou as flores, por que matou?..."

Nesse ponto o jardim em peso ficou com um ar misterioso, cheio de indagações levadas e trazidas pelo vento, cada espécie olhando para a outra assustada, cheia de desconfiança. Afinal de contas, qualquer um ali poderia ter sido o assassino das flores.

continua...

Poeta e cronista

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