O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 4

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 4

Rangel Alves da Costa*

Realmente, não se sabe como nem quem perpetrou tão perverso ato, mas as rosas estavam desfalecidas, estendidas sem vida na roseira. Porém, nem nesse instante medonho da vida as rosas deixavam de serem bonitas, belamente coloridas, ainda exalando perfumes encantadores, nas suas feições de majestades até no momento da morte.

Naquele instante, haveria de se dar razão ao poeta e reconhecer a aparência de eternidade das rosas. Mesmo que as outras flores não se dessem muito bem com suas companheiras de jardim, pelas razões que vão acima da vaidade e do egoísmo exacerbados, ainda assim não deixavam de reconhecer aquela aparência imutável, com a beleza irretocável, das princesas que morrem nos contos de fadas.

Mas a verdade é que estavam mortas, e isto era um fato de extrema gravidade. Contudo, a gravidade consistia basicamente na forma como se deu o fato, porque aquilo não poderia jamais ser configurado como morte normal ou mesmo acidental, mas claramente fruto de homicídio, de ação intencional, vez que todas tiveram suas vidas ceifadas quase que instantaneamente.

Um certo ar de tristeza tomava conta do jardim, porém muito mais pelo silêncio das plantas, animais e flores, do que propriamente pelo ocorrido. Tanto era assim que as flores mortas ficaram praticamente abandonadas, apenas com um ou outro olhar de despedida e pronto. Os passarinhos voavam emudecidos rapidamente pelos arredores e seguiam adiante.

Praticamente ninguém ou nada ficou ao lado da roseira para velar suas rosas, nem mesmo o jardineiro, que agiu estranhamente com desdém diante do infortúnio. Apenas um passarinho, completamente entristecido como se estivesse de luto, pousou num galho logo acima da roseira e ali ficou o tempo todo olhando para as flores sem vida.

Chorava aquele choro pequenino, miudinho, dos passarinhos, e num instante de dor maior ou talvez de uma desconhecida saudade, ergueu o peito e entoou o canto mais triste do mundo, o mais melancólico já ouvido pela natureza, um réquiem dos pássaros aflitos. Era um sabiá apaixonado...

Lucinha ficou sabendo do fato pelo jardineiro. Quando ele chamou-a através da janela para dar a notícia, encontrou a menina escrevendo palavras tristes num diário que até o dia anterior era repleto de poesias bonitas, palavras e frases alegres, com castelos desenhados e reinos encantados por todos os lugares. Não havia príncipe ainda não, mas certamente mais tarde ela desenharia um bem bonito ali.

Verdade é que estava triste, muito triste, com uma tristeza que fica mais triste ainda nas meninas acostumadas com os sorrisos e alegrias, com festas nos corações e por todos os lugares. Ouviu sem reação o que o jardineiro disse, porém já não era mais aquela menina quando se aproximou do canteiro onde estava a roseira com as rosas mortas.

Estava muito mais triste ainda, e toda essa expressão de dor pôde ser percebida nas lágrimas que caíram e nos soluços que foram ouvidos enquanto acariciava flor por flor, pétala por pétala, dando um beijo de despedida em cada uma.

Logicamente que as outras flores, mesmo entendendo a beleza dos gestos, não gostaram nada em ver a demonstração de tanto amor e carinho. Ademais, segundo pensaram, apenas algumas flores se foram e não o jardim inteiro. E elas estavam ali, vivas, lindas e cheirosas, para suprir muito bem alguma falta que aquelas falsas acaso pudessem fazer.

Aquela tristeza, pois, era diferente, não aquela fruto do feitiço, mas sim verdadeira. E era plenamente justificada pelo inexplicável ocorrido com aquelas amiguinhas que tanto gostava. Porém não sabia ela que a tristeza de antes e todas as tristezas em diante foi e seriam provocadas por aquelas mesmas flores agora desfalecidas.

O pior é que também não sabia que a morte das flores significava também a continuidade daquela tristeza toda, da feição de angústia, dos olhos de aflição. Somente as flores que praticaram o mal, jogando o pólen do sofrimento sobre ela, poderiam jogar o pólen da alegria e fazer com que retomasse a vida festiva e de contentamento acostumada a ter.

Assim, adeus alegria, agora que o feitiço não poderia mais ser desfeito pelas feiticeiras.

continua...

Poeta e cronista

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