O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 3
O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 3
Rangel Alves da Costa*
Após aspirar ao pólen Lucinha se transformou totalmente. O rosto sorriso da manhã de repente se fechou e a partir desse instante não se viu mais brilho no olhar; não foram ouvidas as doces e fáceis palavras; não houve mais encanto no corpo alegre e saltitante; quase não havia mais menina e muito menos aquela Lucinha.
A menina alegre, enfeitiçada pela tristeza, fez o que faria qualquer menina que perde o encanto por tudo que está ao redor. E assim chamou para si a mudez e o desalento e saiu caminhando pelo jardim como se ali nenhuma beleza existisse mais, suas amigas e amigos não estivessem mais ali, como se nada existisse mais ao redor do belo jardim de um dia.
Caminhando carrancuda em direção ao quarto, não deu um aceno sequer, não olhou para os lados nem para trás, não se despediu do jardineiro que vivia seu mundo nos canteiros, chutou um caqueiro e fez o pior, pois disse em voz bem alta: "Que manhã mais horrível e que jardim mais sem graça. Tudo é tão feio que não faria nenhuma falta se essas flores ridículas morressem!".
A margarida não acreditou no que ouviu; a violeta ficou vermelha de pavor diante do inesperado; o lírio ficou sem graça e murchou na hora; o girassol levou a mão ao coração e pensou que iria ter um piripaqui. Verdade é que as palavras espalhadas pelo vento fizeram com que galhos se envergassem, folhas murchassem e caíssem e o jardim ficasse sombrio e sem que nenhum dos seus habitantes tivesse a coragem de olhar no olho do outro.
Mas diante de um clima tão pesado e com todos entristecidos pelas palavras da menina, ainda assim muitos ouviram as rosas sorrindo, cantando, fazendo festa não se sabendo por quê. Foram os sinais para que as flores mais espertas chegassem à conclusão de que elas haviam aprontado alguma, feito alguma maldade para estarem comemorando tão efusivamente.
Contudo, jamais imaginariam que elas pudessem ter roubado o sorriso da menina. Mas como quase todas nem falavam com as rosas, principalmente porque não suportavam suas arrogâncias e o jeito metido a besta de serem, nem se deram ao desprazer de perguntá-las porque estavam assim enquanto todas continuavam sentidas com as palavras da amiga.
E continuando a gargalhar e a cantar, a fazer algazarra e gritar, de vez em quando se viravam umas para as outras, perguntando e respondendo:
"Como vai ser daqui para frente?"
"Ora, se foi a própria menina que quis assim, ela só voltará a ter alegria quando a gente quiser, e eu não estou nem com saudade dela".
"E se a gente resolver não tirar mais o feitiço do pólen, o que será dela?"
"Aí minha filha, aí é muito fácil de responder, pois Lucinha nunca mais voltará a ter alegria, não mais voltará a sorrir, nunca mais vai brincar e achar boniteza e graça em nada, e assim será para o resto da vida. Mas o melhor disso tudo é que somente a gente pode desfazer o feitiço, retirar a tristeza da menina. Quer dizer, a alegria e a tristeza daquela bestinha agora só pertencem a gente e mais ninguém. Se a gente morresse agora, por exemplo, adeus sorriso e alegria na menina. Estaria condenada a morrer também de tristeza...".
O que as rosas não esperavam era o que iria acontecer nos momentos seguintes às comemorações e ao diálogo. De repente, coisa de segundos, e o mundo começou a se fechar em escuridão, ventos fortes começaram a soprar, nuvens carregadas se formaram sobre o jardim e uma tempestade assustadora e inexplicável começou a desabar.
As plantas, flores e animais de estimação que viviam ali procuraram se proteger como podiam, recolhendo-se em lugares mais seguros, amedrontados com o inesperado. E não durou nem cinco minutos e o sol começou a surgir novamente, todo bonito e radiante.
Contudo, durante esse curto espaço de tempo da tempestade ocorreu um incidente que passaria a desafiar dali em diante os maiores investigadores da natureza. Eis que já no brilho do sol um beija-flor passou voejando e gritou bem alto: "As rosas estão mortas. Mataram as rosas!".
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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