Encontro Decisivo - 1963
1963, o ano em que o pequeno Brito fora – pela primeira vez, ao Maracanã. Era um domingo... Se não me falha a memória... Setembro. Sim! O mês era mesmo setembro! Como haveria de esquecer... Fora o presente que Britinho pedira pela passagem de seu aniversário. Lembro-me que, na noite anterior, o menino mal pregara os olhos, tamanha a ansiedade pelo “clássico vovô”. Sua expectativa era tão gritante que o seu cérebro acelerado, ininterruptamente, teimava em só gritar: Mengo! Mengo! Mengo!
Pela manhã, nem tocou nas iguarias que sua bisa Isabel colocara à mesa: broa de fubá, fatias de angu doce, queijo coalho e o tipo minas, leite de cabra e pães-de-queijo... Estes saídos da lenha agora... Quentinhos! Na fazenda da bisavó Bel – era assim que o bisneto carinhosamente a chamava, tinha muita fartura na primeira refeição do dia...
Seu tio passou, às 6 horas da manhã, gritando e buzinando em seu pick-up vermelha e preta.
- Vamo... Vamo logo so! Senão a gente atrasa a lotação pro Rio!
Naquela cidadezinha de Minas Gerais era assim mesmo... Quem se atrasava era o ônibus... Todos, rapidamente, correram pro velho jipe do tio Zéca. Brito era a mascote daquela pequena torcida. Criança de 10 anos, era a segunda vez que saía do interior e da barra da saia de sua adorada bisa!
Os ingressos, Zéca comprara com uma semana de antecedência. Doente pelo seu time. Ele tinha o popye tatuado no braço direito... Ir ao Fla x Flu era questão de honra!
Todos agora cantavam...
- Uma vez Flamengo... Flamengo até morrer!
Durante a viagem, somente Brito com seus pequeninos olhos acompanhava, sem piscar, os autodoors da Cidade Maravilhosa. Sem que o menino percebesse, o ônibus parou em frente à Estátuado Belini... O mascote torcedor mal conseguia desgrudar-se do banco... Tamanha perplexidade. Lágrimas escorreram por todo seu rosto e arrastado pela emoção – primeiro – beijou o pavilhão rubro-negro... Contemplativo olhou pra estátua imponente e gritou como um comandante da nação:
- Mengoooooo!
Foi o seu grito de guerra... Pra guerra! Primeiro cruzou os guichês... Roletas e subiu a rampa em meio a uma multidão alucinada! O barulho era ensurdecedor e Britinho – ali – empunhando a sua pequenina bandeira.
- Mengooooo! Mengoooo!
E cantava, mesmo que ninguém o escutasse, uma canção ensinada pela Bel:
- Flamengo joga amanhã e eu vou pra lá. Vai haver mais um baile no Maracanã. O mais querido é Rubens, Dequinha e Pavão. Eu vou pedir pra São Jorge pro mengo ser campeão...
Caminhou destemido pelo fosso e finalmente... Finalmente chegou à arena – o maior estádio do mundo! Arrepiado! Suas pernas mal o mantinham de pé... Seu valente coraçãozinho teimava em querer sair pela boca! Zéca passou a mão pela cabeça do infante rubro-negro e tratou de aquietá-lo. E, todos – espremidinhos – se sentaram.
Britinho Olhou pro seu lado direito – lá no canto da arquibancada – viu a Charanga do Jaime de Carvalho e pro alto as cabines de rádio e olhou pro campo viu aqueles que somente vira nos álbuns de figurinhas. Todo o time do Mais Querido: Babá, Jordan, Joel, Carlinhos, Murilo, Henrique – o frade, Nelsinho... Um Foguetório total! Parecia que o Maraca e o seu coração não iriam agüentar! Os seus olhinhos, novamente, marejados – agora – procuram o seu ídolo-maior. De repente, ali... bem ali diante dele...
- É o Dida, tio! Tio é o Dida! Dida tio... Dida... Didaaaaa!
Enquanto Dida batia bola no gramado, Britinho gritava – na arquibancada – numa tabelinha movida pelo coração!
- Uma vez Flamengo sempre Flamengo. Flamengo sempre eu hei...
Tudo ali era pra ele: a Charanga, o Maracanã e o Dida! Seu ídolo ali... O craque ali... Batendo bola pra ele! Mas, o apito do juiz selou toda euforia. Agora, o Maior do Mundo parecia um cemitério! O tempo vai passando e somente se escuta de vez em quando: - Uuuuuuuuuuhhhhhhhh! Das torcidas sedentas por uma bola na rede!
Vem o segundo-tempo, quase no finalzinho do jogo, o Dida recebe uma bola em profundidade, um lançamento do violino - Carlinhos: Dida mata a pelota no peito e mansamente ela escorre pelo seu corpo... Aplica um lençol beque central do Pó-de-Arroz... E a enfia por entre as pernas de mais um zagueiro...
- Vai Dida! Faz Dida... – Britinho berra alucinado pelo seu ídolo. Por um goal...
O alagoano, artilheiro, vai deixando toda a zaga adversária no chão! E... Penetra na grande área...
- Fuzila Dida! Enche o pé... Afunda a rede, Dida! Marca Dida... Marca Dida! Gol... Gol... É gol do Dida, tio! É gol tio! Gooooool
- Indivíduo competente esse camisa 10 do Flamengo! Tem peixe na rede do Fluminense – Diz Waldir Amaral, o locutor.
O pequenino flamenguista não sabia se pulava, abraçava o tio e os primos, chorava ou reverenciava o seu ídolo. Brito, então comenta a jogada:
- Viu tio? O Dida ainda fintou mais dois beques – o Altair e o Pinheiro. Depois entrou na pequena área. Deixou o Castilho sem pai nem mãe! E entrou com bola e tudo! Gol de placa! Viu tio? O quiper ficou estatelado no chão e nem viu a cor da bola!
Fim de Jogo: Flamengo 1 x 0... Brito olha seu ídolo deixando o campo e acena pra ele... Dida sorri e – como se retribuísse – também ergue os braços. - Mengooooooo! – A criança grita.
Britinho exausto. A camisa suada e grudenta em seu minúsculo corpo era o seu troféu. Porque aquela camisa 10 exalava nele o cheiro... O gosto... A paixão de ser Flamenguista até morrer!
Uma década depois, esse pequenino – Brito – será idolatrado por essa mesma torcida – a maior do mundo! E será chamado de Zico – o Galinho de Quintino.