O MENINO QUE NASCEU VERDE – Final

O MENINO QUE NASCEU VERDE – Final

Rangel Alves da Costa*

Só mesmo Deus para saber como os pais do menor faziam para suportar aquela situação tão sofrida. De um lado a seca inclemente, e de outro, e por causa da seca, o seu pequenino definhando sem que ninguém pudesse fazer nada. Ao persistir aquela situação não haveria tempo para que o menor sobrevivesse.

Decidiram dormir todas as noites numa esteira na frente da tapera, sob a luz do luar e do vento úmido da madrugada. De lá o menino só era retirado quando sol começava a bater mais forte. É que diziam que as plantas precisam também desses cuidados. Até que o menino amanhecia mais disposto, mais aliviado. Quando o tempo abria de vez o sofrimento voltava, com mais intensidade a cada dia que passava.

“Ao entardecer os relâmpagos já cortavam o céu, logo em seguida vinha o estrondoso ribombar dos trovões. O tempo escureceu de vez, o vento levava pra longe as folhas caídas, ouvia-se um ruído estranho, algo como um silvo vindo distante. Não demorou muito e a chuva começou a cair com toda força, derrubando troncos apodrecidos e animais fragilizados, levantando da terra aquele inconfundível e prazeroso cheiro de terra molhada. Foram dois dias e duas noites assim, com o sertão num dilúvio de alegria. No terceiro dia, com a chuva partindo pra outras distâncias e o tempo retomando sua normalidade, a paisagem, as pastagens e o horizonte sertanejo haviam sido totalmente redesenhados por uma força divina. Aquilo tudo se chamava beleza, renascer e felicidade”. Como estavam as feições dos sertanejos Joana não pôde ver, pois estava sonhando e foi tirada do sonho naquele instante pela mão nervosa do marido.

“Olha Joana, o menino deixou de respirar, será que ele morreu?”, foi o que tristemente se ouviu na madrugada sertaneja. “Morreu João, seu menino morreu. Infelizmente ele não pôde esperar a trovoada que tá vindo amanhã”. Era Sinhá Constança que falava, em pé, como num vulto, bem próximo de onde estavam. Quiseram pedir socorro à velha parteira, mas o seu vulto já havia desaparecido.

Dizem os mais velhos que quando as plantas morrem no sertão, naquele lugar onde as folhas ressequidas caem ou os troncos ficam como cruz, não passa ventania nem bicho pelo lugar durante três dias e três noites. É o respeito pela natureza morta; é o luto na paisagem árida e triste.

Quando João foi velado por seus pais, é como se o seu corpo tivesse se transformado em uma pequena árvore de folhas inacreditavelmente verdejantes. As lágrimas de sua mãe, incessantemente caindo sobre o corpo, tornaram natureza viva o pequenino sem vida. Parecia uma plantinha adormecida. E assim foi enterrado, embaixo do pé de Juazeiro em frente ao casebre de seus pais.

Ainda hoje, quem passa pelo lugar avista sempre uma plantinha verdejante acima de um montinho de terra. Quer chova ou faça sol, a planta sempre pode ser avistada no lugar.

FIM

PS* Me desculpem se o final teve que ser assim. É que sou sertanejo e sei que essa ficção de morte é muito mais realidade do que a gente pode imaginar.

Advogado e poeta

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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