O MENINO QUE NASCEU VERDE – I

O MENINO QUE NASCEU VERDE – I

Rangel Alves da Costa*

Existem coisas que só acontecem no sertão. Quem me contou essa história jura de joelhos e por todas as santidades do céu, que o acontecido que vou relatar realmente ocorreu. Quem sou eu, pobre crente de tudo que há na terra, pra desacreditar de quem jura de verdade. Ademais, sertanejo tem fama de ser verdadeiro naquilo que diz.

O fato não tem muito tempo de ocorrido não. Coisa de quinze vinte anos atrás, pouca coisa no andar sertanejo. Aconteceu bem próximo à cidade, numa pequena comunidade de pobres agricultores.

A época era de estiagem castigante, de sol inclemente e de poucas esperanças para homens e animais. Quem tinha alguma coisa, só tinha mesmo a moradia de uma pobreza só e os cacarecos vazios pelos cantos. Na casa de Cosme era o mesmo sofrimento das demais. Sorte que não tinha filho pequeno pra dar de comer nem de beber, mas por outro lado tinha sua mulher buchuda, grávida já no mês de parir. Joana fazia de um tudo pra não dar nenhum trabalho ao marido, fingindo que não tinha fome, que não sofria com nada, agüentando calada suas muitas dores.

Quando entrou no mês que o menino de Cosme e Joana ia nascer, o sol aos poucos foi querendo se esconder, baixando o facho dos seus raios e se tornando meio que sonolento. E não deu outra, pois nuvens carregadas começaram a ser formar nas distâncias e pouco a pouco foram se achegando no lugarejo e nos arredores. Caiu um temporal que muitos acharam que o mundo ia acabar. Era a chuvarada varrendo o sertão do seu sofrimento. As esperanças renasciam. É sempre assim.

Não durou muito e os matos começaram a verdejar. E o sertão ficou bonito por demais. Passarim de pau em pau, bichinho se escondendo pelas moitas, muita água juntada por todo lugar. Era uma festa ver o sertão assim, num matiz verdejante e feliz.

Parece que os trovões e relâmpagos fizeram efeito também na gravidez de Joana, pois não durou muito e no meio da noite a velha parteira foi chamada. Era escuridão de chuva grossa, de sertão carregado e de preces bendizendo a natureza. Em meios aos sons das águas abrindo caminhos lá fora, ouviu-se o choro do pequenino sertanejo que nascia. Joana deu à luz, em plena escuridão, o molecote que seria batizado com o nome de João.

João nasceu assim na escuridão, com a luz do candeeiro mal dando pra alumiar o trabalho de parto. Naquela situação, mal se podia enxergar direito o menino, a não ser para acalmá-lo do choro e fazer os procedimentos necessários e a limpeza que o momento exigia. Por isso mesmo é que ninguém, nem a mãe, o pai ou a parteira, teve tempo nem pôde olhar com mais atenção para as feições da criança.

A parteira Sinhá Constança, como era conhecida e adorada por todos das redondezas, dormiu por ali mesmo. Noite de breu, com chuva e natureza barulhenta, resolveu esperar o amanhecer para voltar para sua taperinha mais adiante. Também podia ajudar mais um pouco a parida e observar se a criancinha precisava de outros cuidados. O pai, que parece nem ter dormido, desde a madrugada que andava ciscando feito galinha de um lado pro outro, entrando e saindo da casa.

Com o dia já clareando, Sinhá Constança chegou pertinho do menino e ficou espantada, pra não dizer assustada. O que via ali parecia mais uma folha verde de mato, dado o tom esverdeado da pele da criancinha. Acabrunhada com a situação, esfregou os olhos para ver se enxergava melhor. “Não pode ser, como é que uma criança nasce dessa cor?” Questionava fitando o menininho dormindo. Pensou estar caducando, meio amalucada. Logo no sertão, onde tudo é esturricado pela seca, me vem esse menino verde, conversava consigo mesma.

continua...

Advogado e poeta

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