A REVOLTA DAS PLANTAS – III
A REVOLTA DAS PLANTAS – III
Rangel Alves da Costa*
Com as palavras da catingueira os ânimos se exaltaram novamente e todo o ecossistema parecia que queria falar ao mesmo tempo. Insistente e pedindo que fizessem silêncio, a roseira do campo, que já havia se recuperado do piripaqui sofrido instantes atrás, pediu a palavra e disse: “Desse jeito não vamos chegar a um acordo de jeito nenhum. Claro que todas as plantas têm o direio de opinar e isso deve ser garantido. Porém, pra coisa não virar baderna, o melhor que temos de fazer é escolher um grupo formado pelas espécies que já estão aqui há mais tempo, de modo que esse grupo discuta e chegue a um acordo sobre o que temos de fazer e quando fazer, e essa decisão tem que ser tomada o quanto antes, pois na minha opinião se a gente ficar aqui esperando somente que as coisas aconteçam, de repente nosso ecossistema todo vai estar em extinção. E por que? Porque deixamos que plantas estranhas ao nosso meio invadisse o território que é nosso desde quando Deus criou as plantas e colocou as espécies em seus devidos lugares...”
“Uma palavrinha, por favor”, disse o manjericão. E continuou: “A amiga roseira tá com toda razão. Esse grupo tem que ser escolhido agora, nesse instante, sem mais demora. E pra não encompridar muito minha fala, acho que esse grupo deve ser formado pela palma, pelo mandacaru e pelo xiquexique, afinal de contas, queiram ou não, a família deles representa os antepassados e toda a história do lugar, bem como também pelo fato de que eles são tidos como os símbolos do sertão. Nós chegamos depois e jamais haveria sertão sem eles. O que representaria esse lugar se essas plantas expulsassem ou destruíssem a palma, o mandacaru e o xiquexique?”.
A opinião do manjericão só não foi apoiada por unanimidade porque o facheiro, a cabeça-de-frade, a cansação e a urtiga e outras espécies de cactos não gostaram muito da indicação, afirmando que eles eram parentes proximos e por isso mesmo era a família toda, como a mais tradicional do lugar, que teria decidir. Faltava, pois, incluir eles. Mas não teve jeito não, principalmente pela má fama que a cansanção e a urtiga possui na comunidade. Assim, resolvido o impasse, muito e os cactos escolhidos estavam conversando entre si.
Segundo o pensamento do mandacaru, seria precipitação no momento querer expulsar as plantas diferentes que estavam sendo cultivadas ali, e até mesmo porque, pelo que se sabia, onde foram plantadas lá elas ficaram. Para a palma, o problema era não deixar que elas ultrapassem uma faixa de terreno sequer do local onde estavam. Já o xiquexique, tido por todos como extremamente cauteloso, considerou que o melhor a se fazer seria esperar um ano e durante esse espaço de tempo todos seriam treinados e capacitados para partir pra guerra, no caso de se confirmar que as plantas exóticas estariam realmente invadindo outros espaços de terra. Prevaleceu esse último posicionamento e desse modo foi deliberado o seguinte: ou um ano de paz ou a guerra.
Que paz que nada. Os pequenos fatos que vão construindo uma guerra se juntam aos poucos, no dia a dia, no cotidiano, no vai e vem das conversas, nas fofocas, nas intrigas, nos reais motivos que levam ao combate. Como sempre acontece quando algo grave vai acontecer, primeiro se tem a normalidade. Contudo, era falsa essa normalidade, tanto no lugar das plantas nativas quanto na comunidade das plantas exóticas, ou forasteiras, como já denominadas por muitos.
As plantas forasteiras já sabiam de tudo que estava e poderia ocorrer. Não foi outro emissário, senão aquela mesma rolinha, agora fazendo jogo duplo, dupla espionagem, que contou tudo com relação às espécies nativas. Verdade é que mentia muito, mas também dizia a verdade. Disse que a chegada delas ali não havia sido vista com bons olhos por ninguém, nem por homens, animais ou plantas; enfim, que o sertão queria ver elas distantes dali; avisou sobre os danos ao ambiente que poderiam causar se ultrapassem suas fronteiras e fossem reproduzir também em outros lugares; afirmou ainda que estava disposta a servir como negociadora entre elas e as outras, se assim fosse preciso. Mas também falou demais, exagerou e abriu o bico pra dizer o que não podia, principalmente quando se danava a mentir. Assim, dizia que tomassem cuidado que já tinha plantas espiãs entre elas; que as plantas nativas já estavam se preparando para cercar a fazenda e depois invadir o local; que estavam armadas até a raiz, com espinhos, espadas, veneno, bombas e lançadeiras de pedras. E disse mais: contrataram até uma legião de animais arbívoros para devorar elas, se apresentassem muita resistência.
Tais notícias causavam um transtorno danado na vida das plantas exóticas. Naquela realidade sertaneja, elas sabiam que não tinham forças suficientes para combater de igual pra igual com as plantadas nascidas ali, fortes e adaptadas para as batalhas e profundas conhecedoras do terreno e das armadilhas existentes. Contudo, já que fixaram residência ali, com toda uma família formada, não estavam dispostas a se entregar de jeito nenhum. Decidiram então partir para o jogo sujo, para o ataque astucioso, ardiloso, antes que fossem surpreendidas. Se uma guerra estava prestes a estourar, que as iniciativas fossem logo tomadas.
Entretanto, os motivos para a deflagração de um conflito já estavam presentes mesmo sem a participação direta das partes envolvidas. As próprias leis da natureza fizeram surgir os elementos necessários para que as relações entre as plantas ficassem ainda mais tensas, mais difíceis.
continua...
Advogado e poeta
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