A REVOLTA DAS PLANTAS – II
A REVOLTA DAS PLANTAS – II
Rangel Alves da Costa*
Nesse reino verde, amarelado ou marrom desbotado, a depender das chuvas que caiam ou da seca que se prolongue, as plantas conversam, fazem amizades, sorriem, choram, puxam intrigas, esculhambam umas com as outras. As espécies maiores enfrentam aquelas do seu tamanho, os menores e as rasteiras na mesma proporção.
Uma vez uma catingueira trocou sopapos com uma aroeira e dizem que até hoje folhas e galhos voam por aí. Um mandacaru disse que o xiquexique era muito torto e os dois ficaram prostrados por muitos dias, cheios de furos. Espécies como o fedegoso e o velame são fofoqueiras por natureza; levam a vida a falar mal de uma planta pra outra, muitas vezes com base em deslavadas mentiras. Certa vez um mandacaru teve que dar um aperto neles pra ver se paravam com isso. Não teve jeito. Começaram a espalhar que ele andava armado e queria furar todo mundo. Foi um deus nos acuda.
Algumas plantas andavam meio desconfiadas nos últimos dias. Ao entardecer, o vento que soprava mansamente sobre elas andava mais agitado, fazendo alguns rodopios ao redor, certamente querendo dizer alguma coisa. E dizia, porém com sua voz fanhosa e fala baixa e rápida ninguém conseguia entender direito. “O jeito que tem é pegar esse vento e botar dentro de uma moringa pra ver o que ele tanto quer dizer e a gente não entende”, disse uma plantinha miúda, demonstrando preocupação. “O que é ruim vem pelos ares, na ventania”, concluiu outra.
Mas não demorou muito e o que estavam querendo saber foi devidamente esclarecido. Com a mataria agitada, num converseiro danado, eis que chega voando uma rolinha, velha conhecida da turma por trazer novidades de outras paragens, pousou num galho vistoso e abriu o bico a falar: “Como os tempos mudam e parece que pra pior. Vocês que nasceram aqui, sempre viveram nesse lugar e achavam que essas terras eram só de vocês, agora vão ter que engolir umas plantas metidas a besta que foram plantadas logo ali, logo acima da estradinha. Vi com meus próprios olhos e fiquei de bico caído. Quem cuida delas faz como se estivessem cuidando de menino novo, com um mimo danado e cuidado que não acaba mais. Água, comida, sombra, terra molhada, tudo, mas tudinho mesmo elas têm de sobra. Por isso mesmo é que estão tão crescidas, com saúde à vista e dando frutos e flores de todo jeito e de todo tipo. Se eu fosse vocês tomavam cuidado com essas novatas na região. Sabe lá se elas não vão se chegando aos poucos, nascendo uma aqui e outra ali, cada vez mais perto, e de repente já tão tomando o lugar de vocês? Sei que tenho fama de faladeira, mas tomem cuidado, pois quem avisa amigo é. Ninguém sabe direito quem são essas plantas, de onde elas vieram e o que querem aqui. Sei não, mas pode ser tudo inimigo que mais tarde vai querer invadir esse pedaço de sertão. Tomem cuidado, e isto é o que eu que posso dizer por enquanto”.
A notícia transmitida pela rolinha caiu como uma bomba entre as nativas. Um ar de indignação e raiva e gestos de fúria tomaram conta do lugar. Todas falavam ao mesmo tempo, balançando pra cá e pra lá impacientemente. Podia se ver bem a vermelhidão nas faces que teriam que ser no mínimo esverdeadas; uma roseira do campo deu um piripaqui e caiu desfalecida; um facheiro se feriu com o próprio espinho; o xiquexique parecia ter ganhado outros braços, mais fortes e mais espinhentos. Era um quadro deveras muito diferente do que se costumava ver no lugar. E de repente uma voz bem alta se fez ouvir. Era uma pequena avenca que, não se sabe como, havia subido num pé de catingueira pra falar:
- Calma, calma, o momento exige reflexão e muita calma. Se isso tá acontecendo mesmo é um assunto grave e que merece providências, mas por enquanto a gente não sabe nem se é verdade tudo que a outra disse. As notícias que ela traz nem sempre são confirmadas depois. Lembram quando ela disse que o governo ia empatar desse povo que anda por aí de invadir terra a torto e a direito, matar os animais e destruir plantações? Tudo mentira, notícia falsa. Do mesmo modo temos que tomar cuidado antes de tentar alguma coisa contra elas. Ademais, se elas estão lá quietinhas no seu lugar, mesmo que no sertão seja um desafeto ter esse luxo todo, não vejo nada demais...”
Nesse ponto foi interrompida pela catingueira que lhe dava suporte: “Êpa, êpa, êpa, não é bem assim não. Você tá muito mal informada quando diz que elas estão lá quietinhas, bonitinhas e coisa e tal. O problema é que a própria natureza não vai deixar que elas cresçam e fiquem somente lá de jeito nenhum. Até parece que vocês não conhecem a natureza. Na verdade, o perigo de que essas plantas estranhas possam se alastrar por aí é muito grande, e isso é só uma coisa de tempo. Basta o vento forte para espalhar sementes, os passarinhos que vão jogando por aí seus frutos, o homem que vai plantando mais adiante e a própria safadeza delas se quiserem invadir o espaço dos outros. Tudo isso vai acontecendo aos poucos e quando a gente abrir os olhos essas plantas já vão estar bem aqui ao lado, mais tarde querem se criar entre a gente e depois será tarde demais, pois já invadiram tudo, modificaram nosso jeito de ser, nossa morada, nossos costumes, tudo. Mas não é só isso não, pois com certeza mais tarde não sobrará aqui nenhuma de nossa espécie pra contar a história. Por isso mesmo, na minha opinião o negócio é procurar combater essas plantas logo, enquanto é cedo. O problema é acreditar naquela rolinha metida a jornalista...”.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertão.blogspot.com