NO REINO DO REI MENINO – LIV
NO REINO DO REI MENINO – LIV
Rangel Alves da Costa*
Bernal ficou zanzando de um lado para o outro pensativo. Por toda a magia do mundo, como conseguiriam dentro de tão pouco tempo um punhado de areia das proximidades do castelo, uma lágrima da mãe do menino rei e uma gota do imprestável sangue do também imprestável Otnejon? Indagava sem conseguir encontrar respostas.
Em Edravoc, prisioneira dentro da jaula em cima do covil das serpentes, Lize, a mãe do menino Gustavo, parecia que iria secar de tantas lágrimas derramadas. Quando os duendes apareciam por ali sempre diziam que não adiantava ficar assim, pois aquela tristeza toda só lhe enfraqueceria ainda mais, e precisava ao menos se locomover quando tivesse que se livrar daquela terrível situação.
"Faça o seguinte... – Disse um dos duendes -, diga pra si mesma que não vai mais chorar e enxugue essas últimas lágrimas que estão no seu rosto que nós a levaremos nesse paninho aqui como presente para o seu filho, como prova de que está viva e que brevemente estará retornando. Garanto que ele ficará muito feliz com essa lembrancinha diferente. Eu mesmo não choro há mais de dois mil anos, mas assim que a primeira lágrima cair guardarei como lembrança. É que as lágrimas só servem para as boas lembranças e não para serem choradas como se a vida estivesse acabando".
"Um duende poeta, só faltava essa", e todos se espantaram quando ouviram isso da boca de Lucius, que há muito parecia já ter se despedido desse mundo. Como conseqüência, apareceu um leve sorriso no rosto ainda bonito de Lize, que disse: "Tá bom, tá bom, seu poetinha das florestas. Então que seja assim. Enxugue essas lágrimas que ainda estão escorrendo e levem elas com cuidado no paninho para o meu menino querido e diga que o amo muito". E começou a chorar mais ainda. Quando os duendes saíram de lá o pano estava completamente molhado, mas ela prometeu que não choraria mais.
No castelo de Oninem, o menino rei e o feiticeiro se atormentavam em busca de uma solução, de uma saída para atender os três requisitos exigidos pelo sábio Verny para a entrega da falsa coroa. Ora, se não dessem logo jeito naquela situação nada feito para as pretensões do menino, e estas, aliás, eram motivos a mais para que Bernal se redobrasse em preocupações.
Esse danadinho me dá tanto trabalho e nem ao menos mata logo a minha curiosidade, reclamava Bernal consigo mesmo. O que, na verdade e de verdade, ele tem em mente? Não quer dizer mas eu descubro, ele vai ver, afinal sou ou não sou iniciado nos encantamentos e nas forças da magia. Tais eram as muitas interrogações que surgiam a todo instante na cabeça do feiticeiro do bem.
"Sobre a terra lá do castelo, é melhor chamar o quanto antes aquele rapaz que providenciou a vinda da mãe do maldito até aqui. Quem sabe se ele não vai até lá hoje mesmo e tenta trazer um punhado daquela areia maldita", disse Gustavo a Bernal. E não demorou muito o responsável para assuntos de Edravoc estava ali, pronto para receber as instruções e partir. Contudo, antes de seguir viagem perguntou pela velha senhora e pediu ao menino rei para se avistar só instantinho com ela, se fosse possível.
A mãe do baixinho mal-afamado parecia que era outra de tão jovial e feliz. Assim que entrou no salão e viu o rapaz veio logo lhe dar um abraço apertado. "Só queria ver mesmo como a senhora estava. A senhora não sabe quanta felicidade sinto em vê-la tão cheia de vida e satisfeita aqui em Oninem. Agora, a senhora nem imagina onde estou indo nesse instante", disse o moço.
"Onde meu filho?", perguntou a senhora. "Lá naquele maldito lugar onde a senhora vivia abandonada feito bicho desgarrado", complementou o rapaz. "Não acredito, mas você ainda tem coragem de ir lá? Mas espere um pouquinho que tenho uma encomenda que é pra você deixar lá para sempre. Espere aí que já volto". E saiu apressada em direção aos seus aposentos.
Ao retornar, com um pequeno embrulho na mão, foi logo dizendo:
- Como prova de que nunca mais em minha vida quero nem lembrar daquele lugar, quero que você leve esse pacotinho que está aqui dentro desse embrulho e quando chegar naquelas terras amaldiçoadas abra e espalhe no vento...
- Mas o que é isso que está aí, minha senhora? – Se apressou Bernal para fazer tal indagação.
- Isso aqui é um pouco da areia do pátio do castelo, que ajuntei num saquinho antes de ser expulsa de lá, mas que...
Num salto espantoso, tanto o feiticeiro como o menino rei acorreram para cima da senhora que ficou espantada, sem saber o que estava acontecendo. Perguntaram ao mesmo tempo se podiam ver o embrulho e quando abriram estava lá o saquinho com aquilo que eles tanto precisavam: a areia.
Foi uma festa só, com mil abraços na senhora que ainda estava sem entender nada. Gustavo mandou que trouxessem um copo de leite pra ele, um chá verde para o feiticeiro e liberou no máximo dois copos de vinho para todos que desejassem brindar àquele momento.
- Mas que maravilha Bernal, esta boa senhora nos poupou de um grande trabalho para conseguir isso. Agora só falta o que parece mais difícil, que é obter uma lágrima da mãe e uma gota de sangue daquele... – Foi interrompido pela senhora que, tendo ouvido aquela conversação entre os dois, se aproximou e falou:
- Desculpe, meus filhos, mas não pude deixar de ouvir vocês falando em sangue. Ai quanto me dói ouvir essa palavra, principalmente quando sei que é o meu sangue que corre nas veias daquele...
Do pulo que deu, o feiticeiro quase bate no teto do salão. Segurou o menino pela mão e começou a saracotear. "Para com isso Bernal, que coisa mais feia, você enlouqueceu? Afinal de contas, o que foi que houve demais nas palavras dessa senhora?", perguntou o pequeno rei, achando estranho aquilo tudo e procurando saber o motivo daquela festa toda de Bernal. E puxando o menino para o lado, disse baixinho ao ouvido:
- Conseguimos também a gota de sangue, conseguimos...
continua...
Advogado e poeta
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