NO REINO DO REI MENINO – LIII
NO REINO DO REI MENINO – LIII
Rangel Alves da Costa*
Subiram na correria e atropelando tudo que encontravam pela frente. A primeira coisa que avistaram ao entrar na torre foi a bacia com água borbulhando que chegava a derramar. O local estava agitado, na semi-escuridão e com pequenos feixes de luz faiscando pelo ar. O feiticeiro ergueu os braços para o alto, fechou os olhos, disse algumas palavras numa língua estranha e logo o ambiente voltou ao normal. A água turva e agitada da bacia agora se tornou límpida e mansa. Os dois se debruçaram um pouco e conseguiram enxergar, lá no fundo, após o espelho d'água, imagens de um vendaval que ia carregando tudo que ia encontrando pela frente.
"Dá pra ver que é um vendaval em plena fúria, que avança derrubando tudo. Mas o que isto quer significar, quer nos dizer?", falou o feiticeiro assustado. E prosseguiu: "Certa vez ouvi de um grande sábio que ter visões com temporais, tempestades ou vendavais pode ter dois significados diferentes, podendo ser um sinal de destruição ou de renascimento, pois a fúria do vento consegue varrer tudo que for ruim e só deixa aquilo que for bom ou que possa permanecer para dar continuidade à vida".
Mal terminou de falar quando a torre começou a ficar agitada novamente e os mesmos fenômenos voltaram a acontecer, só que mais forte dessa vez, pois á água se agitava de tal forma que boa parte dela começou a escorrer pelo chão. Quando os dois olharam novamente para dentro dela avistaram centenas de cavalos em disparada, montados por guerreiros furiosos e empunhando todos os tipos de armas. Era uma visão turva, mas dava pra ver que os mesmos cavaleiros que passaram voltavam lentamente, cansados e muitos deles desabando de cima dos animais. Muitos destes voltavam sozinhos, em desenfreada correria.
"Estas últimas imagens eu sei muito bem decifrar, pois mostram a guerra e suas vítimas. Os cavalos em disparada significam os ataques, enquanto que estes mesmo animais retornando lentamente com os seus cavaleiros significam o fim da batalha e o cansaço e as mortes que ela produz. Basta ver que muitos animais voltaram sem os seus guerreiros", tentava decifrava Bernal, mesmo que o pequeno rei não estivesse entendo muito bem o que ele queria dizer.
Depois que tudo estava mais calmo o menino perguntou ao amigo ainda assustado:
- Fale a verdade Bernal, o que esses fatos presenciados por nós tem a ver com o Reino de Oninem, com o nosso reino?
- Tudo e nada, principalmente porque ainda não sei o que quis dizer a primeira mensagem. Vou ter que consultar, ainda hoje, o oráculo do grande sábio, mas vou dizer o que penso. E o que penso... – Procurando as melhores palavras que traduzissem a verdade e ao mesmo não tempo não fossem muito chocantes para o menino – é que inevitavelmente uma guerra bate às nossas portas, que teremos de confrontar forças poderosíssimas do inimigo. Aí é que surge o outro lado da resposta, quando não sabemos de qual lado confrontante aqueles animais serão. E os animais voltando cansados é sinal de grande derrota e muitos mortos... – Ia tentar explicar melhor quando foi interrompido por Gustavo:
- Mas essa guerra só veio depois daquela primeira mensagem. Se a gente soubesse o que realmente quer dizer aquelas primeiras imagens do vendaval destruindo tudo seria muito mais fácil de juntar as duas coisas e ter uma resposta só. Por que você... – Nem conseguiu terminar sua fala nem formular a pergunta quando ouviram uma voz vindo de cima de uma pequena estante num canto da torre. Quem pronunciava estava invisível, mas as palavras eram ouvidas claramente:
"O menino tem razão. A segunda visão na água não pode ser explicada isoladamente. É preciso primeiro saber o que quis dizer a primeira visão. E aquilo que parecia um vendaval na verdade não era um vendaval, mas sim a demonstração da instabilidade que está vivendo o momento presente. Assim, aquele que conseguir afastar essa instabilidade que está ocorrendo nesse e nos reinos próximos, evitará a guerra e as inúmeras mortes", concluiu aquela voz sem rosto.
E de repente, feito um pequeno redemoinho pelo ar, foi se formando uma pequena figura que foi descendo lentamente até ficar em pé diante dos dois. "Mas você aqui, grande mestre entre os maiores dos reinos das florestas?", se expressou um Bernal a um só tempo assustado e honrado por aquela presença. Era o duende Verny, um velho mestre em solucionar problemas e encontrar saídas positivas e criativas.
- Mas como chegou aqui grande mestre, num momento tão assustador como esse? – Perguntou o feiticeiro após fazer uma breve reverência ao verdejante e poderoso ser.
- Existem perguntas que de tão idiotas não merecem respostas. Mas vou fazer uma pergunta também idiota: Por acaso preciso pedir licença ou avisar que vou entrar onde eu quiser? Não, não e não. Por isso mesmo cale a boca seu iniciante da magia. Mas o que realmente me trouxe aqui foi um assunto muito importante. E já estando aqui, sabendo que isto tudo iria acontecer, aproveitei a ocasião para esperar o momento certo para falar – Disse o sábio duende, agora passeando suspenso pelo ar. E continuou:
- Venho lhe avisar, pequeno rei, que eu mesmo, sem precisar de ajuda de ninguém, providenciei em alguns minutos a confecção daquela coroa que você tanto precisa. Sei muito bem os objetivos que tem para com ela, e são realmente consideráveis. Só acho que é muito temeroso que um menino ainda nessa idade queira ter uma responsabilidade tão grande em suas mãos. Mas se é assim que tem de ser, assim será, pois a sorte estará lançada. Como eu disse, a cópia da coroa está pronta e para que eu a envie aqui para o castelo só falta mesmo algumas coisinhas, sem as quais os seus objetivos não serão alcançados com ela. Na verdade são três coisas, e estas são... – Resolveu não falar alto. Chamou o menino num canto, para completa fúria de Bernal, e disse algumas palavras ao ouvido. Em seguida simplesmente desapareceu.
Retornando para próximo do feiticeiro, que estava ansioso para saber do segredo, Gustavo perguntou sem demora:
- O que faço para conseguir um punhado de terra de dentro dos muros que cercam o castelo daquele maldito, uma lágrima de minha mãe e uma gota de sangue daquele verme do Otnejon?
continua...
Advogado e poeta
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