NO REINO DO REI MENINO – XLVII

NO REINO DO REI MENINO – XLVII

Rangel Alves da Costa*

Assim que chegou imobilizado ao castelo, cheio de dores, enfurecido por estar naquela situação e mais raivoso ainda porque não podia tomar imediatamente uma atitude drástica e definitiva com relação ao casal de mentirosos, Otnejon ordenou, com a voz fraquinha dos que estão à beira da morte, que fossem chamar naquele mesmo instante um dos serviçais do reino, sujeito de péssima índole, mas em quem depositava irrestrita confiança, se é que o baixinho confiava em alguém.

Tão logo chegou, o homem cheirando podre a charuto e bebida foi chamado pelo doente que disse: "Sei que você conhece quais são as serpentes mais venenosas, por isso mesmo quero que faça uma coisa urgente, já que tem o corpo fechado pra mordida de cobra. Vá até onde elas estão, tire o veneno das três mais brabas, bote numa tigelinha e traga aqui que eu preciso tomar pra curar logo essa dorzinha no quadril".

O sujeito foi até o local e como quem não estava nem aí para as picadas das peçonhentas, fez o seu trabalho com prazer, até cantando, e voltou com a tigelinha contendo aquela junção dos viscosos líquidos mortais. Chegou próximo ao baixinho estendido numa cama instalada numa das salas e disse que o seu leitinho já estava ali, perguntando se queria tomar agora. Com o balançar positivo da cabeça, o homem mandou que abrisse a boca e derramou goela adentro o veneno.

Assim que o líquido foi se espalhando pelo corpo, o baixinho estremeceu parecendo que ia cair da cama, depois ficou com a pele toda arroxeada e em seguida ficou sem dar nenhum sinal de vida. Assim continuou por uns dois minutos, enquanto o sujeito assobiava e cantarolava ao seu lado. De repente, até para espanto do sujeito, deu um pulo e ficou em pé na cama, agitado, com aquele corpo que mais parecia uma barrica todo latejando suor. E já foi gritando: "Morte aos que querem brincar com o maior dos reis. Onde eles estão?".

Um dos guardas correu ao seu encontro e disse que se ele olhasse para trás iria ver os dois amarrados num canto da sala.

- Como vocês se atrevem a deixar esses dois imprestáveis no mesmo ambiente em que eu estava convalescendo, ficaram doidos de vez? E se eles se desamarrassem e me atacassem indefeso como eu estava, como ficaria a situação? Vocês vão pagar por tudo isso, ah! se vão – E se dirigindo para o sujeito do veneno – Podrim, vá buscar aquela jaula guardada lá no porão que vou dar serventia a ela, e já – Falou o baixinho, dando um pulo de onde estava, por pouco não se espatifando no chão.

Quando a jaula foi trazida nenhum guarda se encontrava mais na sala. Buscaram se esconder de fininho por medo da fúria do baixinho, que os procurou e encontrou o canto mais limpo. E bastou outro grito para que um respondesse debaixo da cama, outro detrás do armário e ainda outro por trás de uma coluna, enrolado numa cortina. Teve um que tentou passar por estátua. "Venham aqui seus frouxos, pois o docinho de vocês só vou dar mais tarde. Mas agora quero que coloquem esses dois dentro da jaula e façam com que ela fique pendurada um metro acima de onde as cobras estão. Façam agora mesmo o que estou mandando.", determinou o baixinho enfurecido.

No outro dia, já pendurados naquele local incômodo, apertados na jaula desconfortável, com a constante ameaça das serpentes logo abaixo, o casal silencioso e triste recebeu a visita do mal-afamado rei:

- A essa altura o bebezinho de vocês já recebeu o meu presentinho e a proposta que mandei fazer. Estou só esperando que ele responda para dar o descanso que vocês merecem. Tô pensando se deixo vocês irem para o céu, pras profundezas ou se ficam aqui mesmo na terra. Mas só tem uma coisa que vou dizer agora: que ele responda ou não responda, que ele faça ou não o que exijo, mesmo assim dentro de poucos dias invadirei aquele lugar e não deixarei nem uma semente de gente viva. Só vou deixar vivo o menino, que é pra juntar a vocês dois e mandar enterrar os três ainda vivos, dentro de uma cova só – Deu as costas e saiu dançando.

Contudo, Otnejon nem imaginava que havia visitantes novos no seu reino, pessoas de Oninem que já estavam ali para levar adiante o plano do menino Gustavo com relação à velha senhora, a desventurada mãe do tenebroso rei de Edravoc. E não demorou nada para que os três estranhos convencessem a desamparada mulher dos benefícios que teria na sua vida se aceitasse o convite de um jovem soberano que havia se sensibilizado com a sua história e desejava ampará-la nesses momentos difíceis.

Como não havia muita coisa a transportar, os quatro deixaram o reino de Otnejon na madrugada daquele mesmo dia. Teria que ser assim, de modo que ninguém percebesse que a mãe do rei estava fugindo para outro reino. Porém, olhos que sempre estão à espreita de tudo a qualquer hora do dia, viram quando a velha saiu de casa com algumas mochilas e com a ajuda de três desconhecidos. "O rei tem que saber disso, ora se tem", disse consigo mesmo um dos maiores fofoqueiros de todo o País dos Voantes.

Nem esperou o dia amanhecer direito e o indivíduo já estava nos portões do castelo, implorando para falar com o baixinho e afirmando que tinha um assunto a tratar que era coisa de vida ou morte e que, portanto, o soberano não poderia deixar de recebê-lo. Meia hora depois já tinha relatado tudo o que havia visto e também o que não havia.

Assim que acabou de ouvir silenciosamente o relato, o baixinho começou a propiciar uma das cenas mais extravagantes, melodramáticas, engraçadas e espalhafatosas da história.

continua...

Advogado e poeta

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