NO REINO DO REI MENINO – XLVI

NO REINO DO REI MENINO – XLVI

Rangel Alves da Costa*

Verdade é que alguém chegou primeiro e levou tudo que estava enterrado dentro da gruta, sem deixar rastros, pois os homens do baixinho mal-afamado ainda caminharam pelas redondezas procurando encontrar alguma pista, mas tudo em vão. O próprio Lucius ficou totalmente sobressaltado com aquele fato. Ora, mas quem teria feito isso, ficou imaginando. Se Otnejon, diante do ocorrido iria dar fim à vida de alguém, enrubescer e espumar de raiva, soltar fogo pelas narinas ou xingar até dizer chega também ninguém ficou sabendo, pois o estado do baixinho ficou mais para gemer de dores e para temer os trovões do que para qualquer outra coisa.

Com efeito, com a queda inesperada dentro do buraco havia sofrido pequenas luxações pelo corpo, o que o impedia de locomover-se por enquanto, restringindo-se a reclamar que não podia levantar sozinho e andar. Ainda não havia falado sobre o fato de não terem encontrado o tesouro nem o que aconteceria com o casal diante daquela nova situação. Ouviu-se ele chorando e resmungando "quero minha mãe, quero minha mãe".

Deixaram a gruta e retornaram ao castelo num cortejo bastante curioso. Alguns homens à frente, mais atrás os prisioneiros novamente amarrados e sendo puxados pelo pescoço e em seguida outros homens carregando o baixinho imobilizado numa espécie de padiola. Otnejon dessa vez ordenou que entrassem pelo fundo dos muros do castelo, de modo que os seus súditos não pudessem vê-lo envergonhado e naquela lastimável situação.

O baixinho mal-afamado não deixava de ter razão, pois qualquer um que visse a comitiva passar não iria entender nada mesmo, a não ser o fato costumeiro da passagem de prisioneiros amarrados ou acorrentados. Mas o próprio rei sendo levado daquela forma era algo totalmente diferente. Até mesmo Gustavo, que naquele momento estava em Oninem providenciando a remoção da desventurada mãe do baixinho, daria boas risadas com aquele último quadro.

Pois é, naquele momento o rei Gustavo de Oninem mais uma vez conversava com o rapaz sobre o estado e as características da velha senhora, bem como as possibilidades de resgatá-la daquele quadro de miséria e trazê-la para morar ali no reino. Os objetivos do pequeno rei, contudo, logicamente que não eram somente demonstrar que era um garoto bonzinho e que estaria realizando um gesto humanitário, mas sim como uma ação com um fim específico, com uma intenção clara, mas que por enquanto ele achava melhor não dizer a ninguém, para desespero do feiticeiro do bem.

- Meu rapaz, você está prestando um trabalho muito útil e espero que não tenha omitido nada e nem mentido uma vez sequer sobre a sua viagem a Edravoc, até mesmo porque mentira tem as pernas mais curtas do que o maldito rei de lá, e de uma forma ou de outra ficarei sabendo através da magia que mandarei Bernal fazer, não é mesmo Bernal? – E tanto o feiticeiro quanto o rapaz começaram a tossir e a se agitar nervosamente – Mas vamos ao que interessa – O menino ia prosseguindo quando foi interrompido por um Bernal aflitivo:

- Mas meu pequeno e misterioso rei, olho por todos os lados e vejo todas as situações e mesmo assim não consigo entender porque essa obstinação agora em trazer para cá a mãe abandonada desse maldito homem. Ademais, saiba que as pessoas ruins abandonam os seus familiares, mas não gostam de jeito nenhum que os outros ajudem, como se quisessem reservar para si o direito de verem os outros vindo rastejando e pedindo clemência aos seus pés. Eu mesmo não confio um tantinho assim nesse covarde e acho que o pequeno rei, por tudo isso que eu disse, deveria também deixar pra lá essa história, esse desejo...

- Não lembro se pedi sua opinião, seu rebaixado a comida de jacaré. Agora vá tomar banho que quero dar comida menos suja aos bichinhos que estão com fome. Vá, chispa daqui – Falou enraivecido o menino rei e tais palavras fizeram com que o feiticeiro ficasse de joelhos ali mesmo na presença do rapaz, implorando por tudo para não ser jogado no fosso dos crocodilos.

Gustavo chamou o rapaz para outra sala, onde pudessem conversar sem serem importunados, segundo ele mesmo afirmou. Porém sabia que Bernal os espionaria, seja de que modo fosse. E dito e feito, pois o feiticeiro foi, pé ante pé, roçando pelas paredes até chegar bem na entrada do local onde estavam, onde ficou ouvindo a conversa entre os dois.

Dizia o pequeno rei ao enviado:

- Você vai ter que voltar lá, agora mais escondido do que nunca, só que dessa vez acompanhado de alguns homens de confiança que você mesmo irá procurar e contratar. A sua missão dessa vez será fazer com que a velha mãe do maldito queira sair de lá, esquecer seu passado, abandonar aquele estado de miséria em que vive e deseje ter uma vida com dignidade e respeito. Para que ela se sensibilize terá que dizer que uma pessoa ficou muito triste com o relato de sua história e que quer ajudá-la, dando casa boa e comida farta pelo resto de sua vida.

- Até aí eu entendo tudo muito bem majestade, e não vejo isso como outra coisa a não ser como um gesto de piedade humana vindo de uma pessoa boa como todos sabem que é. Porém, o que ainda não consegui entender é o que está por trás disso tudo, o que vossa majestade pretende alcançar acolhendo essa senhora aqui – Insistia o rapaz em fazer tais ponderações.

Em pé, dando voltas pela sala com o seu camaleão de estimação, Gustavo parou e olhando seriamente para o rapaz disse:

- Está bem, está bem, vou dizer o que pretendo. Vou mostrar a esse maldito Otnejon o valor e o respeito que devemos ter à nossa própria mãe e à mãe dos outros. Só isso.

continua...

Advogado e poeta

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