NO REINO DO REI MENINO – XXXIX
NO REINO DO REI MENINO – XXXIX
Rangel Alves da Costa*
Aos gritos do sacerdote apenas disseram que se ele continuasse entornando vinho daquele jeito daqui a pouco não estaria vendo somente fantasminhas verdes passando, mas também o grande elefante da Índia ali sentado na poltrona, querendo dialogar. "Mas eu vi, eu juro que vi, e carregavam dois objetos reluzentes nas mãos", confirmou, quase sem ser ouvido pelos compradores que se afundavam em óleos, guisados e em até naquilo que não conheciam, mas diziam estar um manjar dos deuses.
Apenas o pequeno rei se ateve àquelas palavras, e por isso mesmo pediu licença aos convidados e se dirigiu até onde estava o vinhático senhor, que mais uma vez confirmou tudo o que tinha visto. E os olhos de Gustavo passaram a ter um brilho diferente, de grande esperança em se concretizar aquilo que estava imaginando. Somente a coroa poderia reluzir tanto, e seria a coroa que eles estariam transportando de volta ao castelo? Indagou para si mesmo, muito mais aliviado, até esboçando um sorriso.
Contudo, precisava confirmar urgentemente a veracidade de sua intuição e somente Bernal poderia dar uma resposta definitiva sobre o retorno ou não da coroa. Olhava para as escadas, para cima, para baixo, para os lados, e nada do feiticeiro aparecer com gestos positivos ou negativos. Chamou um serviçal e ordenou que o procurasse e dissesse para ir até ali com urgência, pois o leilão estava prestes a começar e precisava de sua presença. Mas o serviçal retornou afirmando que não pôde encontrá-lo em lugar algum, parecendo mesmo que ele não estava naquele momento no castelo. E Gustavo tornou-se novamente temeroso e aflitivo.
"Agora creio que estamos mais do que preparados para apreciarmos esta preciosidade, pois então que faça vir tal preciosidade", disse um dos compradores, já em pé, juntamente com os outros, no local onde a coroa seria exposta e realizado o leilão.
- Sim, sim, chegou o grande momento para verificarem de perto o valor da antiga e reconhecidamente bela coroa do Reino de Oninem, que somente será vendida porque já possuímos outra de igual beleza e com motivos riquíssimos que retratam os grandes feitos de cada soberano que fez sua história aqui – Mentiu o pequeno rei, mas tinha que ser assim, para não expor a situação de dificuldes do reino – Porém, antes que eu ordene que tragam esse raro prazer aos olhos, convido vocês a mais um brinde, deliciado entre vocês mesmos, de um vinho muito antigo, que praticamente estava esquecido por anos e anos nos fundos mais escondidos de nossa adega. Por favor, serviçal traga até aqui duas daquelas garrafas de L'acrime de Tristèsse – Falou o pequeno rei, extremamente nervoso e tentando ganhar tempo a todo custo.
Assim que os convidados avidamente tomaram o vinho, acenderam charutos e esfregaram as mãos em sinal de que já estavam prontos para o início da apresentação, o pequeno Gustavo, totalmente desnorteado e sem saber mais o que fazer, simplesmente olhou para cima da escada que dava para o andar seguinte, bateu as mãos e mandou que trouxessem a coroa real. Completamente cego naquele momento, não sabia bem o que havia dito nem as conseqüências desse gesto. O seu reinado poderia estar sendo afundado ali, naquele momento, assim que ordenou que trouxessem a coroa.
De repente, completamente fora de si, tendente a desabar pelo chão a qualquer momento, ouviu um forte bater de palmas ao seu redor e ao se recompor para tentar entender aquilo melhor, olhou novamente para cima e viu Bernal, contagiado e sorridente, descendo a escada com a coroa real sob um manto de veludo com as cores do reino. Não podia acreditar no que via, no verdadeiro milagre que enxergava, mas ali estava a coroa mais preciosa e brilhante do que nunca.
Ao passar por Gustavo carregando nas mãos a salvação do reino, o feiticeiro do bem deu uma leve pisada no pé do amigo e disse baixinho: "Pelo trabalho que deu deve valer o dobro". O próprio menino decidiu colocá-la no local onde todos poderiam apreciá-la com cuidado e atenção. Ainda sem acreditar muito no que estava acontecendo, ele mesmo ficou parado diante dela alguns minutos, tocando levemente os seus contornos e chamando para si uma tristeza de outro tipo. O estado melancólico agora se devia à despedida daquela representação maior da história familiar. Mas teria que ser assim mesmo, procurou se reconfortar.
Quando os compradores iniciaram a análise e discussão dos elementos que compunham a coroa, seu valor histórico e financeiro, o lucro que poderiam ter transformando ela em joias menores, negociando à parte os rubis, diamantes, esmeraldas e outras pedras preciosas, Gustavo puxou Bernal para um canto e disse: "Você vai ter que me explicar tudo isso direitinho, tintim por tintim, sem esquecer um ponto ou uma vírgula. Afinal de contas ainda não estou entendo nada de tudo isso que está acontecendo aqui". "Não se preocupe, meu rei, relatarei tudo direitinho, nos menores detalhes. Mas adianto que isso é apenas uma parte do muito que precisa saber", afirmou o feiticeiro, em tom misterioso.
Para cisma e descontentamento dos demais, não demorou muito e o rico negociante Adeom, do Condado de Excalibur, ofereceu um lance que, pelo alto valor, não pôde ser mais coberto. Havia arrematado a coroa pela bagatela de oito medidas de Dindim, que era a moeda corrente no País dos Voantes e seus reinos. A entrega da coroa se daria em cinco dias, assim que os seus emissários viessem até o reino trazendo a grande soma de dinheiro.
Após o leilão, mesmo sem a presença do sacerdote, que já dormia a sono solto tendo sonhos com os fantasminhas verdes, e enquanto uma última rodada de vinho era servida, Bernal se aproximou de Gustavo e disse baixinho em seu ouvido: "Tanto dinheiro por uma réplica, uma falsa coroa, pois a verdadeira está lá em cima bem guardada".
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com