NO REINO DO REI MENINO – XXXVIII

NO REINO DO REI MENINO – XXXVIII

Rangel Alves da Costa*

Esforçando-se ao máximo para receber os visitantes com a educação que deve ser peculiar a todo soberano de boa estirpe familiar e com o cavalheirismo próprio que a situação recomenda, Gustavo acolheu a todos efusivamente, deixando claro que as chaves do reino estariam em suas mãos. Eram sete os visitantes, mais o velho sacerdote que ali estava fazendo as funções de intermediário no negócio de compra e venda.

Todos acomodados nos assentos do salão de recepções do castelo, logo o sacerdote começou a reclamar da fatigante viagem, insinuando ainda que para espantar aquele cansaço que remoia os ossos nada melhor do que o cálice de um bom vinho, antes que fossem se banhar, saborear da já comentada maravilhosa comida do reino e em seguida estarem prontos para apreciar as qualidades da coroa, avaliando as jóias que estavam incrustadas no ouro maciço, oferecendo os lances e, por fim, a aquisição por aquele que ofertasse a quantia maior. Só retornariam ao alvorecer da manhã seguinte.

Ao ver que serviçais traziam queijos e vinhos, o velho sacerdote deu um pulo da cadeira onde estava e avançou quase correndo para alcançar logo a bebida, derrubando dois visitantes que já estavam em pé esperando serem servidos. O próprio sacerdote se desequilibrou e foi parar justamente aos pés do rapaz que trazia as garrafas, fazendo com que derrubasse uma destas bem em cima do homem da igreja, que mesmo no chão conseguiu segurá-la e ali mesmo, naquela ridícula posição, começou a entornar o líquido preferido por Baco. As gargalhadas tomaram conta do grande salão, mas Gustavo não conseguia expressar qualquer tipo de sorriso verdadeiro.

Como estar feliz, contente, alegre, diante daquela situação? Quanto mais os minutos iam passando mais a preocupação aumentava, olhando para os lados para ver se chegavam com alguma notícia, esperando Bernal que demorava em retornar com uma palavra de alívio. Aliás, o feiticeiro havia saído um pouco mais cedo do castelo com o objetivo de ir até a floresta conversar pessoalmente com os pequeninos orelhudos sobre os seus envolvimentos com as visões na bacia e com a voz que ouviu. Se o que havia visto tinha relação com o desaparecimento da coroa, como a voz deixou transparecer, os duendes, gnomos e outros seres tinham que dar alguma explicação, falar sobre aquilo ou, quem sabe, desvendar aquele martirizante mistério.

A demora do feiticeiro e o tempo que parecia passar cada vez mais apressado eram fatos que iam colocando Gustavo num verdadeiro beco sem saída. De vez em quando chegava um comprador pedindo informações sobre a coroa, já outro vinha perguntando quantos rubis e diamantes estavam incrustados nela, e ainda outro veio perguntar se poderia dar uma olhadinha rápida naquele objeto tão almejado por todos.

Nessa situação de pura pressão, o pequeno rei teve de mandar chamar os seis cavaleiros para ficarem conversando amenidades com os convidados, afirmava que logo mais eles teriam a oportunidade de apreciar todas as suas qualidades com os próprios olhos e que ninguém poderia avistá-la naquele instante porque estava sendo polida especialmente para o leilão que iria se realizar. Até aquele momento tudo isso era mentira, e como continuaria mais tarde se nenhum fato novo acontecesse.

Não podendo mais segurar ali os visitantes com os queijos e os vinhos, vez que já reclamavam de um bom banho para ficarem mais dispostos para a lauta refeição que seria servida, o pequeno rei não teve outra saída senão encaminhá-los para aposentos já preparados para tal fim. Somente o velho sacerdote insistiu em ficar ali, já um pouco mais vermelho do que o normal e lembrando a todo instante ao rei que não esquecesse da pequenina parte que lhe havia sido prometida.

Gustavo pediu licença e resolveu subir até a torre do castelo, no intuito de tentar enxergar de lá se Bernal já estava retornando. Quando ia subindo apressadamente as escadas ouviu barulhos estranhos vindos do lado onde ficavam os cofres do castelo. Parou um pouco para ouvir melhor, mas como tinha pressa e o barulho havia sumido, decidiu seguir em frente. Assim que olhou adiante viu o feiticeiro do bem chegando da floresta, numa correria só, todo esbaforido e querendo chegar logo para fazer alguma coisa importante.

Assim que encontrou Bernal, o pequeno rei quis logo saber o que tinha a dizer para aliviar todo aquele pesadelo, pois como as coisas iam acontecendo não faltava muito para que o Reino de Oninem fosse acusado de vendedor de ilusões e o seu o rei de pequeno mentiroso. E o feiticeiro, olhando bem no fundo dos olhos do amigo, disse: "Fique calmo que tudo ainda se resolverá da melhor forma possível, pois os seres das florestas me garantiram que antes do momento da apresentação da coroa ela estará em seu lugar, linda e brilhante como sempre foi, para que o menino cumpra sua palavra de rei e saiba que tem amigos. Confio neles e espero que confie também, pois nestas palavras estão nossa única e última salvação".

Quando voltaram ao salão todos os convidados já estavam a postos para saborear das delícias de Oninem, todos de olhos brilhantes percorrendo a enorme mesa toda coberta por salvas, pratos e outros recipientes contendo delícias de todos os tipos. Após a comilança a coroa seria trazida e o leilão realizado. O velho sacerdote disse que não sentaria à mesa, preferindo segurar numa das mãos um grande pedaço de assado e na outra uma garrafa, que ia emborcando de minuto a minuto. Assim, tranquilamente caminhando pelo salão com suas mãos ocupadas, de repente ouviu-se um grito do sacerdote e imediatamente a carne e a garrafa se espatifarem no chão:

- Socorro, fantasmas verdes e pequeninos acabaram de passar por aqui como se fossem relâmpagos.

continua...

Advogado e poeta

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

blograngel-sertao.blogspot.com