NO REINO DO REI MENINO – XXXVII

NO REINO DO REI MENINO – XXXVII

Rangel Alves da Costa*

Bernal não gostava nem um pouco de fazer suas magias e encantamentos por encomenda, sob pressão. Segundo ele, para que os espíritos dessem as respostas pretendidas era preciso todo um trabalho de elevação sensorial e espiritual, invocação e contato direto com os próprios deuses. Mesmo assim, se era para o bem de seu pequeno rei e do reino se esforçaria o máximo que pudesse para que a bacia das águas espelhadas desse algum sinal sobre o sumiço da coroa, quem a tinha roubado e onde estaria naquele momento.

Diferentemente do que havia feito para obter informações sobre os pais de Gustavo, agora utilizaria outros elementos de magia. Assim, colocou no fundo da bacia terra do reino de Oninem, jogou água do reservatório do castelo e depois espalhou por cima da água um pó recolhido do local onde a coroa estava guardada. Em seguida tampou a bacia com um escudo do reino e deixou assim por trinta minutos, tempo este que se ocupou em pronunciar palavras somente por ele entendidas, convocar os seres das florestas, os encantados e os senhores da magia.

Passado esse tempo, destampou a bacia, pôs-se de joelhos frente a ela, fechou os olhos, levantou as mãos para o alto e fez surgir pela torre vozes estranhas, murmúrios e uma escuridão entrecortada por raios em pleno dia. Ao baixar as mãos, abrir os olhos e olhar para as águas da bacia teve uma enorme decepção. Não podia ver o que estava vendo, pois aquilo não significava nada, pensou.

Com efeito, o que viu no espelho das águas foram somente duendes, gnomos e outros seres das florestas correndo de um lado para o outro, carregando sacos nas costas, portando pontiagudos instrumentos de trabalho, cansados e parecendo preocupados com a realização de alguma tarefa importante. Mas isso não quer dizer absolutamente nada, berrou o feiticeiro do bem.

Nunca tendo feito nada igual e sabendo que aquilo poderia não ser suportado por suas forças, mesmo assim resolveu repetir a magia. Seria o único jeito de saber se alguma coisa teria sido feita de maneira errada ou se simplesmente não tinha mais poder algum para fazer encantamentos. Agora poderia ver jogada lama abaixo sua história e sua fama de poderoso feiticeiro.

Assim, repetiu todos os procedimentos, agora demonstrando muito mais vontade em obter o resultado pretendido. Porém, quando olhou para o espelho da água o que enxergou foi apenas a entrada de uma caverna onde os pequeninos orelhudos entravam e saíam sem cessar. Mergulhou a cabeça na água, como se quisesse enxergar alguma coisa lá dentro e depois, em lágrimas, passou a maldizer sua sina:

"Que feiticeiro sou eu que não tenho mais forças para nada, nem mesmo para enxergar a minha própria vergonha diante disso tudo? O que farei agora, grande senhor da magia, se todos vão zombar da minha cara e me chamar de falso profeta, de charlatão e até de bruxo rebaixado, de feiticeiro de meia tigela? O que direi ao meu pequeno rei, como darei a notícia de que não passo de um fracassado? Não, não, isso é demais pra mim, é uma flechada na minha honra, por isso mesmo amanhã sairei escondido do castelo e vou viver escondido nas matas, feito bicho envergonhado".

Falava consigo mesmo, mas o que mais desejava naquele momento era gritar bem alto, dizer num grito toda a dor interna que estava sofrendo. E foi quando ouviu uma voz saindo de dentro da bacia: "Você cumpriu bem o seu papel e tudo o que viu era o que realmente deveria ter visto, pois o mistério que procurava desvendar está naquilo que viu. O tempo dirá que está com a razão. Mas diga apenas que a coroa não foi roubada e que por isso mesmo ela aparecerá no momento certo".

O problema era como dizer isso ao rei menino, que certamente não compreenderia e outro problema estaria formado. Contudo, para imenso espanto de Bernal, ao ouvir o que o feiticeiro nervosamente relatou sobre a visão dos duendes e gnomos e a voz que tinha ouvido, Gustavo, com ar de cansaço e preocupação, disse apenas que ele explicasse isso tudo ao sacerdote e compradores que chegariam no dia seguinte.

Logo ao amanhecer desse novo dia o pequeno rei procurou se inteirar dos fatos para ver se havia alguma novidade boa sobre a coroa, pois a visita marcada para mais tarde não teria significado algum sem o objeto pretendido pelos ricos compradores. Ademais, seria constrangedor e desrespeitoso que os visitantes se deslocassem de tão longe e chegassem ali simplesmente para ouvir uma injustificável desculpa, coisas do tipo "resolvemos não vender mais" ou "lamentamos que tenham dado a viagem perdida", e mais estarrecedor ainda seria dizer "desculpem, mas a coroa foi roubada".

Contudo, a verdade é que até aquele momento as coisas continuavam como antes, preocupação em cima de preocupação, problema em cima de problema e nada que apontasse uma solução. Mesmo assim Gustavo ordenou que os serviçais fizessem os melhores preparativos possíveis, providenciando comidas e bebidas, de sorte que Oninem ao menos não saísse prejudicado no quesito receptividade, bom acolhimento segundo as normas que devem ser observadas pelos maiores reinos.

Quanto mais o tempo passava mais o pequeno rei mostrava inquietação, a todo instante buscava novas informações e nenhuma notícia agradável chegava. Nesse passo de incerteza, ao entardecer a comitiva adentrou nos portões do castelo. A qualquer instante os visitantes entrariam pela porta do salão de recepções. E agora Gustavo, o que fazer?

continua...

Advogado e poeta

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