O CORPO QUE SE FEZ ÁGUA
Tentou atravessar a rua, mas caiu...
Os músculos não correspondiam. Nenhum movimento. Os pensamentos contra o muro sem cor. O corpo doído do trabalho muito.
Cansado.
O corpo maltratado do trabalho tanto.
Surrado.
O corpo só na calçada.
Parado.
Trabalhava e não via. Trabalhava e não sentia. Trabalhava e não amava. A mulher só. O cão só. O filho só. Era todo trabalho e papéis e sala. Escritório todo dia. O dia não parava.
O dia.
O corpo não queria mais o trabalho. Recusava-se terminantemente. Nada de horas e de cronômetros e de ordens e de palavras ásperas. Nada.
Subitamente a chuva. A água que lava e leva tudo e todos.
A chuva veio como um alento, um socorro até. A chuva veio como um conforto último. Não conseguia erguer-se. Estava caído. Olhando para o céu. A água tomava todo o seu corpo. Os cabelos, a camisa, a calça, molhados. A boca que recebia mais e mais líquido do céu...
Corpo encharcado.
Dissolveu-se então e o que era humano tornou-se água.
Mais água para a chuva.