O gladiador

Em momentos de lucidez, Danilo mostrava-se autêntico cavalheiro. Andava bem trajado, exibia porte elegante, comportava-se sobriamente e tinha refinada educação. Suas conversas agradavam ao interlocutor que se aproveitava para “explorar-lhe” a vasta cultura.

A companhia de Danilo era agradável. Que o dissessem os amigos Enéas e a mulher, Glória, companheiros de memoráveis viagens. Sempre iam ao exterior para visitarem galerias de artes, museus e monumentos históricos; também freqüentavam teatros e auditórios onde se realizavam palestras, conferências, recitais e shows de música clássica ou mesmo popular.

Em uma das viagens, encontraram-se em Roma.

– Que prazer, vê-los aqui! – exclamou Danilo, ao avistar o casal de amigos aproximar-se da mesa em que tomava uma saudável taça de vinho.

– Nós sabíamos que o encontraríamos em Roma.

– É, “todos os caminhos levam a Roma”. Vocês conhecem a expressão – falou Danilo, satisfeito com a presença dos amigos. – Cheguei há alguns dias e já me diverti bastante. Roma é uma cidade extraordinária. Falar disso a vocês é “chover no molhado”. Conhecem Roma mais que os nossos embaixadores, aqui radicados, que passam o tempo em viagem pela Europa. Isso, quando não estão no Brasil fazendo política para si e para seus correligionários – disse ironicamente.

– É verdade, Danilo. Esta é a quarta viagem à Cidade Eterna. Lamentamos apenas um detalhe: em nenhuma das vezes fomos recebidos por Sua Santidade! – queixou-se Enéas, cofiando a volumosa barba, característica de seu partido político; nesse momento, fazia gestos para retratar-se aborrecido pela “falta de consideração” do Papa, que nem sequer mandara recebê-los no aeroporto.

Riram bastante com a brincadeira.

– Não lamentem amigos. Talvez Sua Santidade envie a Guarda Suíça para lhes dar proteção. Roma é muito visitada por brasileiros e, como vocês sabem…

As risadas, dessa vez, tornaram-se gargalhadas. Chamaram a atenção dos outros frequentadores do restaurante, que lhes dirigiram olhares repreensivos.

Almoçaram ali mesmo, beberam mais vinho e planejaram passeios para os próximos dias.

Aproveitaram o restante da tarde em passeio pelas ruas milenares da Cidade Eterna. Os dias seguintes também foram dedicados a visitações a toda a Roma antiga, principalmente às áreas Cristãs.

Visitaram o Panteão, obra mandada edificar por Vespesiano Agrippa, em 27 a.C. e restaurada por Adriano entre os anos 118 e 128, após incêndio ocorrido no reinado de Trajano.

Foram ao Arco de Tito, localizado junto aos Foros; já conheciam o monumento que mede 5,40 metros de altura por 4,75 de largura, erguido para homenagear o Imperador depois de sua morte, ocorrida em 81 de nossa era.

Também visitaram o Arco de Constantino, de vinte e um metros de altura, edificado no ano 315 do calendário romano. Conheceram a Coluna de Marco Aurélio, mandada erigir para comemorar a vitória sobre os marcomanos, caudos e sármatas. Trata-se de uma peça cilíndrica, revestida de variadas figuras belamente esculpidas, com trinta metros de altura; no topo, encontra-se a estátua de São Paulo.

Estiveram nas Catacumbas, onde estão os restos mortais de Domitila, São Calixto, São Sebastião e de Santa Inês… Em uma tarde ensolarada, fizeram-se fotografar junto à estátua da Loba, símbolo de Roma, e que, segundo a lenda, teria amamentado a Remo e a Rômulo, seus fundadores.

Sentiram-se cansados e retornaram aos seus respectivos hotéis. Antes, porém, combinaram de se encontrar na manhã seguinte no Coliseu, que iriam rever.

***

– O Coliseu foi edificado pelo Imperador Vespesiano, em 79 d.C. A inauguração da obra ocorreu no ano 80, com jogos e espetáculos que duraram cem dias. Este grande anfiteatro foi palco de sangrentas lutas corporais, quase sempre com a morte de um dos contendedores –relembrou Enéas à Glória, quando ambos aguardavam a chegada de Danilo a uma das arquibancadas.

– Alguns historiadores dizem que o Imperador Trajano chegou a contratar dez mil gladiadores, que teriam lutado com onze mil feras durante os “jogos” comemorativos à sua vitória sobre os Dácios – lembrou Glória, que teve a fala interrompida pela atenção dispensada a um homem vestido de roupas de gladiador, no centro da grande arena.

O homem fantasiado empunhava uma espada curta e portava uma rede de malha, lançada contra o espaço vazio; golpeava o vento, enquanto se esquivava a cada lance da imaginária contenda.

Os turistas, dispostos pelas arquibancadas do Coliseu, uma obra de dimensões generosas, acompanhavam o fato crentes de que se tratava de uma encenação teatral.

Puro engano.

O “gladiador” era Danilo, em nova crise psicótica. Imaginava-se em luta contra um inimigo para ele visível e perigoso.

Após desfechar vários golpes, ergueu os braços em sinal de vitória. Parecia feliz. Saudou os espectadores com a arrogância dos vitoriosos.

– O que você achou daquela cena do gladiador? – perguntou Glória, por ocasião do almoço.

– Não a vi. Como vocês sabem, cheguei atrasado ao nosso encontro. Já os encontrei do lado de fora, quando tiravam fotografias. Fiquei satisfeito em rever o Coliseu apenas externamente. Já o conheço por dentro: arquibancadas, salões, celas, jaulas…

– Ah, foi interessante! Um bom ator, aquele – finalizou Glória, antes de esvaziar a taça do bom vinho italiano.

Danilo apresentava sinais de cansaço. As crises psicóticas não lhe deixavam lembranças que o fizessem arrepender-se ou orgulhar-se de suas façanhas.

Fora o caso daquele dia.

Os amigos passaram algumas horas em conversas descontraídas. Depois, visitaram o Arco de Septimo Severo, erguido para celebrar a vitória sobre os Partos nos anos 195 e 197. Com vinte metros de altura, contém gravuras de soldados romanos, de partos tornados cativos, de divindades e de máquinas de guerra.