Parceiros atrevidos

A reunião não avançava. Parecia interminável. Presidente e diretores não atendiam ao telefone para não serem interrompidos. discutiam a pauta dos trabalhos, reiniciada a cada saída dos garçons, responsáveis pelo atendimento.

A organização fora constituída há quatro anos e contava com razoável número de empreendimentos satélites, administrados por uma holding. O grupo tinha como objetivo prestar serviços e fornecer bens ao Estado. Nenhum dos sócios tinha experiência empresarial. Como amigos do governador, beneficiavam-se com contratos de obras superfaturadas.

– O que aconteceu às finanças das filiais Dois e Três? – perguntou o presidente ao diretor financeiro.

– As finanças dessas filiais estão arruinadas.

– Como, arruinadas? Somos fornecedores exclusivos do Estado, com ótimos contratos. O secretário de finanças tem sido pontualíssimo nos pagamentos de nossas faturas; os impostos são recolhidos com base em trinta por cento do faturamento e, mesmo assim, temos atrasado o recolhimento deliberadamente, à espera da anistia a ser concedida ao final do mandato do governador, nosso amigo e… parceiro.

– Sim, parceiro! Repassamos à sua excelência quinze por cento do valor de todas as negociações realizadas com o Estado.

– Bem, doutor Isaías, o jeito é contratar uma auditoria para averiguação; uma investigação de profundidade revelará os motivos – apressou-se em falar um dos diretores.

Doutor Isaías, presidente da holding, manteve-se pensativo por alguns instantes. Depois, dirigiu-se ao diretor financeiro, senhor Marcondes; lembrou-lhe uma situação privilegiada:

– Mantemos muitos contratos com o setor público. São obras de alto valor. O asfalto das rodovias é aplicado em finas camadas, e a terraplenagem não é nenhum primor de compactação, como você sabe. Portanto, os custos são baixíssimos! Não entendo a bancarrota que você anuncia.

– Sem falar nas obras de infraestrutura – disse o diretor Marcondes, cofiando a barba grisalha. – A rede de esgoto do município de Itamorena, por exemplo, foi realizada em apenas oito dos trinta quilômetros contratados. Nunca concluímos a obra, embora tenha sido recebida como tal e paga sem contestações.

– Devemos isso a alguns dos membros do Tribunal de Contas do Estado, nomeados pelos últimos governadores de nosso partido – disse um participante da reunião, após endireitar a gravata e pedir para baixar a temperatura do ar condicionado.

– É verdade – confirmou doutor Eustáquio.

Doutor Eustáquio não conquistara uma vaga de deputado federal nas últimas eleições e se tornara diretor administrativo de uma das empresas do grupo. Sua nomeação atendeu expressa solicitação do governador.

O tempo voltou a esquentar. As conversas pararam após a entrada do funcionário chamado a ajustar a temperatura ambiente. O aparelho de ar condicionado parecia defeituoso.

***

A auditoria constatou desvio de dinheiro. Muito dinheiro. Cerca de seis milhões de reais. A fonte pública supria os cofres das empresas com tanta generosidade que os diretores demoraram a perceber o desfalque. Milhões de reais circularam abundantemente por suas contas bancárias.

Segundo os auditores, o senhor Tarcísio, funcionário da área financeira, transferia dinheiro para bancos suíços em nome de altas personalidades públicas do estado. Somente para o secretário de finanças foram dois milhões de dólares. O governador foi contemplado com o dobro. Tarcísio também o fez para si; apossou-se de quase dois milhões de reais.

Dias depois, novamente reunidos, os diretores aceitaram os fatos.

Nada restava a fazer. Tarcísio tinha provas mais que circunstanciais. Dispunha de cópias de documentos, nomes de bancos, números de contas, recibos de depósitos e de transferências bancárias.

Todas devidamente autenticadas.

E ameaçava abrir a boca, se fosse acusado de alguma coisa. “Seria um desastre”, dissera alguém do grupo, bastante temeroso.

– Tarcísio foi esperto! – disse o presidente Isaías, sem muito lamentar. – E ainda teve a ousadia de dizer a um dos auditores: “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”. Um abusado!

– É melhor aceitarmos o prejuízo em silêncio. Faríamos o mesmo – concluiu um dos diretores.

Alguém ainda sugeriu uma vingança física. Poderiam contratar pistoleiros para vingá-los. A ideia não recebeu aprovação unânime e por isso foi rejeitada.

Eles não estavam acostumados à violência.

Ainda.