O fantasma de pijama
Maria despencou. Caída ao chão, parecia morta. Passados alguns minutos, abriu os olhos, dominada pelo pavor da escuridão. Nada via em torno de si. Lembrava de as luzes terem-se apagado subitamente, tão logo o grande relógio da parede da sala de visitas anunciar meia-noite.
Foram doze badaladas, das quais ouviu apenas três. Naquele instante, avistou um senhor de meia idade sentado sobre o braço de uma poltrona. A visão sorria para ela, cumprimentando-a com um aceno de cabeça.
Os olhos esbugalhados de Maria estavam prestes a saltar das órbitas. O olhar assustado vagava no escuro da sala vazia, a procura da aparição sobrenatural causadora de todo aquele susto.
O medo foi grande.
Ela sentia as artérias pulsarem em desabalada convulsão. O coração batia descompassadamente, ameaçando parar, dando a impressão de querer saltar do tórax. Temia que saisse pela boca.
Maria ergueu-se com esforço. A cabeça doía por ter batido em uma das cadeiras do mobiliário da sala. A apavorada senhora tateava na escuridão, tremendo de medo; procurava o interruptor da luz apagada inesperadamente, localizado próximo à poltrona de onde a figura desconhecida e inesperada sumira após a fantasmagórica visão.
Temerária, pensava encontrar o fantasma durante o percurso e, quem sabe, até ser abraçada por mãos estranhas, descarnadas e possivelmente frias. Parou a meio caminho. Lembrou-se da irmã, Joana, que dormia em quarto do andar superior. Gritou alucinadamente:
– Socorro, Joana, acuda-me!
Joana, após ouvir os gritos da irmã por duas ou três vezes, levantou-se, acendeu a luz do quarto e foi até a escada que levava à sala de visitas, iluminando-a após acionar o interruptor. Desceu apressada, apesar dos sessenta anos, premiados com dores nas articulações, principalmente nas dos joelhos. Enquanto descia a escadaria, de dois em dois degraus, sujeitando-se a cair, gritava para a irmã:
– Maria, o que aconteceu? Onde você está?
– Aqui, na sala! – respondeu aflita.
Joana apressou-se em prestar socorro à Maria. Num gesto de carinho, acariciou a face descorada e fria, alisou os cabelos grisalhos e tomou-lhe as mãos entre as suas. Em seguida, perguntou mais uma vez:
– O que houve? Conte-me!
– Bem. Saí da cozinha e fui à sala de visitas. Pretendia verificar se as portas estavam bem fechadas. Trancadas, para dizer melhor. Você sabe... nos dias de hoje... com essa violência... Estamos a pouco tempo nessa casa e quase nada conhecemos do lugar. De repente, quando o relógio anunciou meia noite, soando três das doze badaladas, a luz da sala apagou. Então, vi uma pessoa sentada num braço de uma poltrona. Essa visão, que acredito ser um fantasma, sorriu e cumprimentou-me com leve aceno de cabeça. Visualizei tudo em breve espaço de tempo. A pessoa apresentou-se a mim vestida num pijama listrado de azul e branco e logo desapareceu. Num piscar de olhos. Rapidamente.
– Aí, você desmaiou, e ao retornar à consciência gritou por mim, ainda no escuro. Foi isso? – interpelou a irmã, na tentativa de acalmá-la, embora igualmente assustada.
Maria olhava para os cantos da sala, corredores, escada, tudo.
Apavorada.
Ambas sentiram repentino frio, em noite de intenso calor. Os ventiladores sopravam ruidosamente para esfriar a temperatura do verão baiano. Abraçadas, subiram a escada que as levaria aos quartos de dormir.
Aquela noite seria de insônia. O relógio lá embaixo bateu outra vez.
Uma hora da manhã!
A escuridão parecia intensa, embora as luzes estivessem acesas em todo o casarão. Os ruídos antes atribuídos aos estalos da madeira velha ou aos passeios noturnos dos ratos pareciam mais intensos e constantes.
A cada estalo, um grito das irmãs.
As duas continuavam próximas uma da outra. Dessa maneira, transferiam mútua confiança e reforçavam a coragem que cada uma via se esvair minuto-a-minuto. Precisariam ser fortes. Não havia a quem recorrer naquele momento.
De hora em hora, o velho relógio anunciava a proximidade do amanhecer. Maria lembrava-se de tê-lo ouvido soar duas badaladas; nesse instante, estridente gargalhada agrediu-lhe os tímpanos.
Passos cadenciados soavam bem próximos de ambas.
– Meu Deus, alguém está se aproximando de nós. O que faremos? – perguntou Joana, a mais velha, quase a sucumbir de pavor.
A porta abriu repentinamente. Estava fechada à chave, tinham certeza. As dobradiças rangeram, movimentando-se sob o peso da madeira envelhecida. As irmãs olharam apavoradas para a entrada vazia e nada viram. Forte brisa mexeu a cortina da janela e espalhou as folhas de papel que Maria colocara ali, após ler a carta recebida da imobiliária, administradora do velho sobrado.
Reunindo forças e coragem, levantaram-se unidas aos braços que circundavam suas cinturas rechonchudas, e fecharam novamente a porta. Deram volta à chave e voltaram a sentar-se à beirada da cama, a espera não sabiam de quê.
Meia hora depois, por volta das duas e meia – o relógio havia informado a passagem de mais trinta minutos –, ouviram o barulho de pratos quebrados na cozinha. “Não restou nenhuma peça inteira”, pensaram as assustadas irmãs.
O tempo passou lentamente. Ao amanhecer, a coragem das duas foi renovada. Abriram as portas e saíram do quarto. Foram à cozinha, sempre juntas, uma colada à outra. Tiveram enorme surpresa: tudo estava em ordem. As louças lavadas no início da noite anterior acomodavam-se no armário tingido de verniz escuro, perfeitamente em ordem.
Na sala de visitas, encontraram um pijama listrado de azul e branco em cima de uma poltrona. No bolso superior esquerdo, um pequeno orifício, contornado por uma mancha escura, possivelmente de sangue, indicava perfuração por bala de revólver. O passar do tempo dera-lhe uma tonalidade marrom-escuro. No bolso havia um bilhete, bem escrito. A caligrafia impecável dizia:
“Mataram-me covardemente, quando dormia. Minha esposa e seu amante são os culpados”.
Momentos depois, Maria e Joana foram à imobiliária conhecer melhor a história do velho casarão. Os funcionários da empresa contaram que ali ocorrera o suicídio do proprietário há alguns anos. Ele pôs fim à vida sem motivo aparente. Era um rico comerciante, senhor de muitas terras, de muita riqueza. Deixara como única herdeira a jovem esposa, de trinta anos, hoje casada com um pobretão da cidade, com ares de importante. A polícia nada apurara. Os homens da lei aceitaram passivamente a tese de suicídio.
Os funcionários da imobiliária informaram, por ouvirem contar os empregados da casa, que o pijama vestido pelo milionário na noite do suicídio, uma peça igual à descrita pelas irmãs Joana e Maria, havia desaparecido misteriosamente. Ninguém sabia o seu paradeiro. Na cidade, falava-se de terem visto, por várias vezes, alguém vestido de roupas de dormir, um pijama listrado de azul e branco, exibindo-se na janela do andar superior da casa.
– Talvez sejam histórias inventadas – disse o gerente da imobiliária. O casarão foi entregue pela viúva para ser alugado, o que somente aconteceu tempos depois. As senhoras são os primeiros inquilinos.
As irmãs mostraram o pijama listrado de azul e branco, juntamente com o bilhete, cuja caligrafia foi reconhecida como sendo do proprietário do casarão.
A justiça não reconheceu a carta como prova criminal.
A ex-viúva e seu atual marido mandaram queimar o pijama.
Temiam que o fantasma voltasse a incomodar novos inquilinos.