O vigarista II
Pedro curtia as ensolaradas manhãs do verão carioca, após ter recebido dez mil reais do dono do hotel e igual parcela do prefeito da cidadezinha do interior de Goiás, onde aplicou genial golpe de vigarice.
Em companhia de amigos, contava suas aventuras mundo afora. Dizia-lhes como enganava pessoas ingênuas e dispostas a cair no conto do vigário.
Era assim que ele gostava de viver.
Esse era o seu mundo.
O seu trabalho.
Quando se sentia cansado do Rio de Janeiro, ou antes de ver esgotado o dinheiro fácil obtido com suas façanhas, Pedro viajava “a serviço” ou a “passeio”, como costumava dizer. Repetia aos amigos: “solto, estou viajando; preso, estou hospedado”.
Certa feita, viajou em ônibus da Viação Itapuã, com destino a Porto Salvador, cidade matogrossense, próxima à fronteira com a Bolívia. Hospedou-se em hotel granfino e todas as noites participava do happy hour frequentado por excêntricas figuras da sociedade local: novos ricos, que chegaram à região para explorar novas fronteiras agrícolas e, em alguns casos, o comércio de drogas.
Sozinho, Pedro estudava as pessoas presentes. Em certa mesa, um jovem com cerca de trinta e oito anos bebia solitariamente. Aproximou-se, pediu licença e sentou-se. Identificou-se como representante do Governo do Distrito Federal. Exibiu falsas credenciais, depois pediu ao garçom uma dose de uísque.
– Prazer, Eduardo Vintém, agropecuarista e empresário – disse o jovem ao levantar-se e apertar a mão de Pedro para sentar-se em seguida.
Conversaram por alguns instantes sobre negócio e política. Ambos eram torcedores do flamengo e, por isso, não encontraram motivos para falar do clube que a cada dia se revelava um perdedor contumaz. Nem mesmo sabiam por que ainda participava de certas competições. "A existência do clube não fazia mais sentido", observou um deles.
Depois de bebericar seu drinque, Pedro retomou a conversa.
Contemplava o copo a certa distância, mexia o gelo com o dedo indicador da mão esquerda, quando voltou a falar:
– O governador do Distrito Federal está vendendo a Torre de Televisão. Você a conhece... Aquele monumento enorme, erigido para satisfazer a vontade de certa primeira dama local, que insistia em fazer de Brasília uma nova Paris. Ergueram a Torre, mas esqueceram do exagerado ônus de sua manutenção. Com as finanças apertadas – até medicamento falta nos hospitais da rede pública –, o governo resolveu vendê-la como “ferro velho”. O preço é excelente, porém, há uma condição de estrita confidencialidade: ninguém pode saber do negócio, para não denegrir a imagem da saúde financeira do governo. Você sabe… Estou aqui incógnito – disse, olhando para os lados, com receio de ser ouvido.
– Não me parece um bom negócio, mas, interessa-me a fama: “O homem que comprou a Torre de Televisão”, dirão os jornais sensacionalistas, não só de Brasília, mas de todo o país – exclamou exultante o jovem empresário.
– Terei que receber dez por cento no ato, como sinal. O pagamento deverá ser em “verdinhas”. Você entende, é homem de negócio e talvez já tenha realizado algum com outros governos. Sabe como é… a prática nos ensina que seja assim.
Negócio fechado, o comprador fez questão de Pedro subir com ele ao seu apartamento, situado no décimo andar do hotel. Ali seria entregue o dinheiro e assinada a “papelada”.
Eduardo Vintém entregou os dólares a Pedro, retirados de um pequeno cofre embutido em um armário do quarto.
– Não vai contá-las? – perguntou ao verificar que o rapaz não tinha a intenção de passar as notas uma-a-uma.
– Verifico pelos pacotinhos de dez – respondeu Pedro, passando o polegar pelas cédulas que se abriam e mostravam um George Washington repreensivo.
– Se a entrega está marcada para daqui a quinze dias, estarei lá. Tomaremos novos drinques – concluiu Eduardo Vintém.
– Certo, amigo, você ficará famoso, pode apostar! – disse Pedro ao se despedir do comprador com um aperto de mão.
Pedro saiu. Deixou atrás de si a porta do apartamento, em seguida fechada pelo ocupante, agora famoso. Ele pretendia voltar àquela cidade para vender novamente a Torre a outro ricaço. O orgulho do primeiro comprador o faria amargar o prejuízo em silêncio. Não contaria o acontecido a ninguém, nem mesmo à mulher.
Pedro retirou um cigarro da cigarreira dourada, adquirida em lance duvidoso de palitinhos, acendeu-o e tragou a fumaça displicentemente. Depois, soprou espirais esvoaçantes que se desfizeram no ar.
A cada passo, ria de sua esperteza.