Forçando a barra
A vida difícil, enfrentada nos primeiros vinte anos de existência, fez de Horácio um homem trabalhador, econômico e extremamente responsável.
Estudou em colégios públicos de sua cidade natal, preparou-se em cursinho, após a conclusão do segundo grau, prestou vestibular para engenharia, formou-se com louvor.
Como engenheiro civil, profissão iniciada aos vinte e três anos, trabalhou em grandes empresas do ramo, projetou obras monumentais, administrou construções nas principais cidades brasileiras, e até fez algumas incursões no exterior, em países do Oriente, como Arábia Saudita.
Horácio casou-se com Jaqueline, aos trinta anos. Conheceram-se em Fortaleza, no Ceará, em período de merecidas férias. O casal teve dois filhos: Juninho e Melissa.
Sempre viveram felizes.
Desfrutavam o conforto de excelente salário, complementado pelos ganhos obtidos por Jaqueline, em lojinha mantida no shopping da cidade. O empreendimento custou à família as economias de anos de trabalho. Os resultados compensadores do negócio viriam em breve.
Estavam satisfeitos.
Horácio trabalhava com entusiasmo; os filhos estudavam com afinco; a esposa cuidava da casa e dos negócios, que seguiam o ritmo da economia, com sobressaltos: ora próspero ora em estado falimentar. Não fora a falta de absoluto sucesso nessa atividade, nada teria a reclamar.
Os garotos formaram-se aos vinte e três e vinte e quatro anos. Juninho, aos vinte e quatro; Melissa, aos vinte e três. Ele fez ciência da computação e pretendia trabalhar no maravilhoso mundo da informática; ela concluiu o curso de direito. Seria promotora, talvez juíza. Em seus sonhos de adulta, recém egressa da juventude, pretendia tornar-se um paladino da justiça, ideal do pai, defensor da aplicação das leis ao infrator, independentemente da condição social. “Rico e pobre merecem o mesmo castigo”, costumava dizer à filha, em noites de animada palestra.
Em rotineiro exame de saúde, Jaqueline descobriu ser portadora de câncer de mama bastante agressivo, condição que a sujeitaria a doloroso tratamento.
A notícia caiu-lhe como uma bomba.
Aos quarenta e oito anos, sempre desfrutou de perfeita saúde, gozou a vida, dividindo com o marido e os filhos preciosos momentos.
Agora, enfrentaria a realidade.
Iria submeter-se aos rigores da ciência para safar-se de tão terrível mal. Em primeiro lugar recorreria à Deus, a quem, por sinal, pouco buscou nesse quase meio século de vida.
Os médicos fariam a parte deles e ela não mediria esforços para superar o trauma e o infortúnio que ameaçavam separá-la do marido e dos filhos queridos.
O tratamento foi longo.
Longo e doloroso.
Ao final de dois anos de intensa busca, a cura revelou-se impossível. “Seria um castigo de Deus, por não O ter buscado a tempo?” – pensou Jaqueline, enxugando as lágrimas do rosto magro, sugado pela doença fatal.
Enfim, Jaqueline morreu.
Aos cinquenta e um anos!
Juninho e Melissa casaram nos meses seguintes ao falecimento da mãe e foram morar em suas respectivas casas. Visitavam o pai todo final de semana. Nessas oportunidades, ouviam-lhe queixas sobre a vida solitária que pretendia por fim.
Casaria novamente.
Os filhos não concordaram.
Pouco lhes valeu a resistência.
***
Doze meses de viuvez, de solidão e de ausência afetiva chegaram ao fim. Horácio desposou Marta, sua secretária, de dezenove anos.
A moça bonita, de corpo bem modelado, educada, agora faria parte da vida do famoso engenheiro.
Apesar dos problemas cardíacos, Horácio exibia boa aparência. Precisaria melhorá-la, porém. Os cabelos ralos e grisalhos seriam pintados; os quilos a mais, responsáveis pela proeminente barriga, seriam combatidos à custa de severo regime alimentar; frequentaria academia de ginástica; trajaria roupas bem cortadas; abandonaria o cigarro e diminuiria as doses diárias de uísque.
Iria impor-se esse sacrifício para agradar à jovem esposa.
“Dezenove anos! Seria uma luta inglória” – pensou, meio assustado.
Mas, iria tentar.
Horácio ouviu boas notícias sobre o desempenho sexual de alguns amigos. Segundo eles, foram revigorados pelo efeito milagroso do Viagra, comprimido famoso e eficiente.
Na noite de núpcias, resolveu tomar o “santo remédio”, para mostrar à esposa sua virilidade.
Após excelente jantar, por ele mesmo preparado, degustado à luz de velas que refletiam mais acentuadamente a beleza da jovem senhora, retiraram-se para a parte social da residência.
Ali, renovaram juras de amor eterno e ensaiaram os primeiros toques amorosos.
Momentos depois, excitados pelo prazer, dirigiram-se ao quarto nupcial.
Os efeitos da droga foram satisfatórios.
O órgão genital de Horácio acordou da contumaz letargia.
Deitado, feliz ao lado da mulher, riu ao contemplar a própria virilidade. Não se imaginava mais um amante capaz de grandes façanhas.
O Viagra renovara-lhe o ânimo.
Excitado pelo prazer sexual, os batimentos cardíacos foram aumentando até que Horácio sentiu forte dor no peito, com ramificações para a carótida e para o braço esquerdo.
A dor foi intensa e sufocante.
Violento infarto matou o incipiente guerreiro, antes do iminente combate.