A ESTÁTUA E A PRAÇA
Essa praça é a minha vida. Nasci com ela há algumas dúzias de décadas atrás. Apesar de estar imóvel e sempre olhando para o mesmo lugar, já vi e ouvi tantas coisas, que até mesmo um Pelegrino ou um cosmopolita não testemunharam nem a metade do que já vivenciei.
Lembro-me de quando estava sendo criada. As mãos hábeis e sensíveis do meu criador trabalhando meu corpo e dando-me formas. É, lembro-me como se fosse hoje. Olhou para mim extasiado e sussurrou: “Perfeito”. Ele agora está no reino de Deus. Provavelmente criando monumentos celestiais. Mas de vez em quando ele vém visitar-me.
Alguns dias depois fui trazida para cá onde estou até agora. Lembro-me muito bem desse dia. Era um lindo e ensolarado domingo. Dia da inauguração da praça. Puxa! Até hoje quando me recordo fico emocionada. Havia uma banda – Que tocava sem parar - , baleiros, sorveteiros, um palhaço – Que divertia as crianças e entretinha os adultos com sua divinas palhaçadas -, um palanque decorado e cheio de celebridades. Ali, discursaram eloquetemente o bispo, o prefeito e o governador, há! Bons tempos aqueles! Até hoje eles vêm aqui. Mas agora estão diferentes. São cínicos e hipócritas! Cada um pior que o outro. Mas deixa isso pra lá. Contarei a vocês o que não sabem.
Uma vez um casal de namorados sentou no banco ao meu lado e trocaram juras de amor.
Ele:
- Você é a mulher mais linda, doce e meiga do mundo. Jamais deixarei de lhe amar.
Ela:
- Oh! Meu querido! Você é o mais gentil e galante dos homens. Serei muito feliz ao seu lado.
Alguns anos depois, eles voltaram à praça, sentaram-se no mesmo banco e iniciaram uma discussão.
Ele:
-Como é que você pôde esquecer àquela porcaria de documento? Agora terei que ficar nessa porcaria de praça e nessa porcaria de banco com você até eles resolverem o quê fazer. Mas que droga! Você é uma demente, uma relapsa, uma estúpida!
Ela:
-E você, seu metido à besta? Não passa de um esnobe, grosseirão e convencido. É um idiota que não consegue nem manter-se em um emprego!
Já testemunhei dezenas de casos como esse. Recordo de um que achei muito curioso:
Um casal muito elegante, juraram por Deus que jamais se separariam e que seriam fiéis um ao outro por toda a vida. Só que às vezes ele aparecia com uma mulher diferente e ela também com um outro homem. Um belo dia, ela o flagrou com outra mulher. Foi uma confusão dos diabos! Desde então, jamais voltaram aqui. Aposto que ele nunca soube que ela também quebrou a jura.
Os casais são muito complicados. Dizem uma coisa e fazem outra. Ainda bem que existe exceção.
Citarei exemplo de um de um casal que voltaram aqui já velhinhos para lembrar o dia em que se conheceram e se apaixonaram. Fizeram até uma referência a mim. Disseram que eu continuava linda e que o amor que sentiam, era eterno como eu. Fiquei tão comovida que me deu até vontade de chorar.
Certa vez quatro rapazes sentaram-se aqui e traçaram um plano para assaltar um banco próximo daqui. Ficaram horas discutindo os detalhes da operação, que horror! Ao final, disseram estar convencidos de que o plano era perfeito e não havia como dar errado. Estavam certos! No dia seguinte não se comentava outra coisa aqui na praça senão um certo audacioso assalto ao banco. O comentário era que levaram uma fortuna. E a polícia não tinha nem pista dos assaltantes. Lamentei não possuir o dom da fala para denunciar àqueles delinqüentes.
Aqui vém muitos artistas: escultores, cantores, pintores, repentistas... tem um que eu acho muito engraçado. Até seu nome, é engraçado: “Bule-bule”. Também vêm músicos, poetas... Admiro a todos. Acho que eles são um presente de Deus à humanidade. Quando estão aqui, a praça fica mais alegre, mais encantada, e, o povo, mais feliz. Aliás, um deles, um poeta, escreveu certa vez: “A PRAÇA É DO POVO, COMO O CÉU É DO CONDOR”. Falando em poeta, lembro de um deles que vinha aqui frenquentemente, sentava-se e ficava observando meditabundo horas a fio. Depois começava a escrever. Um dia notei que ele escrevia enquanto olhava pra mim. Talvez estivesse compondo algo a meu respeito. Quanta honra!
Gosto de ser o que sou; estar onde estou. O tempo passa, mas eu não. No entanto, sinto-o passando através das pessoas, de seus hábitos, comportamento e indumentos.
A mini-saia, por exemplo, já sumiu e voltou várias vezes. Contudo, a boa linguagem e as boas maneiras, não voltaram jamais. Que pena!
Eu sou feliz! Os Turistas são ótimos e gentis. Tiram retratos de mim com eles e levam-nos para seus países de origem. Casais se beijam, se abraçam e me fazem de cenário, ou de fundo. Acho uma maravilha!
As crianças ficam admiradas e curiosas. Olham pra mim, fazem perguntas a meu respeito... As mais sapecas me tocam, sobem em mim... na maioria das vezes choram quando seus pais não permitem. Crianças...
Os aposentados, meus eternos companheiros, todas as tardes estão aqui. Ficam lembrando o passado. Contam histórias e estórias. Eu adoro ouvi-las. Eles são magníficos. Sabem das coisas!
Só não gosto muito é do pombo traquino que deixa o pombal para pousar em minha cabeça e fazer cocô. Que atrevimento! Detesto quando ele faz isso. Mas um dia eu o pego. Ah, se pego!
Não gosto também de alguns pevertidos que me olham com cara de tarados e acariciam meu corpo, genitália e, até beijam minha boca. Eu, hein! Sai pra lá!
Tenho pena dos mendigos. Não me conformo por morarem aqui. Sei que não é por opção. Eles não têm casa, família, não têm nada! Não entendo isso. Esse não deveria ser o direito de todos? Ao menos é o que dizem os políticos em suas retóricas quando aqui aparecem em época de campanha. O fato é que muitos mendigos morrem aqui. Esse número aumenta em madrugadas de inverno. Bem cedinho são retirados e levados para sabe lá Deus aonde. Ninguém sabe, ninguém vê. Isso me parte o coração. Depois dizem que meu coração é de pedra. De pedra são os corações das pessoas responsáveis por isso.
Bem, mas tem uma coisa que achei curiosíssima. Há algum tempo atrás, existiu uma figura que todos os dias e no mesmo horário vinha conversar comigo. Era barbudo, cabeludo e usava umas roupas esquisitas. Além disso, parecia não gostar de tomar banho. Tinha um cheiro horrível! Me falava que as pessoas o chamavam de louco. Mas que ele não era louco coisa alguma. Era parente distante de um certo Napoleão Bonaparte e que estava organizando um exército para tomar a cidade. Quando isso acontecesse, todos lhe pediriam clemência, mais ele não perdoaria a ninguém, exceto a mim. Porque eu era a única pessoa que o ouvia acreditava no que dizia. Todos os dias era a mesma ladainha, já pensaram? Depois ele desapareceu e nunca mais o vi. Até hoje tenho saudade dele. Onde será que ele está? Talvez estaja agora com Deus contando sua história. Pobre homem!
É isso aí, essa é minha vida. Engana-se quem pensa que sou solitária. Tenho a praça como minha fiel companheira. Todos algum dia passarão por aqui. Um dia “Você”, passará. Eu estarei lhe vendo e ouvindo. Cuidado!