Brilhante, devo dizer
Lorena acendeu um cigarro e esperou pelo retorno de sua calma. Estava esgotada e irritada, e aquela era a única forma que encontrava para driblar sua aflição. Após quase um mês fora, respirava novamente o ar de Roma; contudo, nem mesmo o retorno ao lar e os recentes sucessos puderam deixá-la mais tranqüila. Estava, na verdade, muito insatisfeita, e a causa dessa insatisfação tinha nome: Charlotte Cashmore.
Mais uma vez, a maldita inglesa escapara à detecção do Coven! De onde vinha tanto poder? Será que ela não enxergava que era um perigo para o mundo com seu comportamento instável e agressivo? Ora, que pergunta... claro que não! E isso fazia Lorena ficar ainda mais nervosa. Derrotara sozinha um bando de harpias selvagens em Varsóvia na noite passada, mas não conseguia seguir o rastro de uma simples bruxa? A questão era: não estava falando de uma simples bruxa, mas sim de uma das mais poderosas que surgiram nas últimas décadas.
Seu celular tocou de súbito, dando-lhe um susto.
– O que foi, Ceres?
– Você não vai acreditar, Lô. Descobrimos o atual esconderijo da vaca!
A bruxa agitou-se ao ouvir aquilo.
– O quê?!
– Calma. Se eu tentar te explicar, vai ficar um pouco complicado. Você está onde?
– Mesmo que estivesse na China, eu me deslocaria agora mesmo. Anda, conta logo!
– Para facilitar as coisas, vou enviar as coordenadas; daí, você corre e vem nos encontrar aqui. Por favor, seja rápida; não sabemos quanto tempo vamos ter até que sejamos descobertas.
– Certo! Em quantas vocês estão?
– Oito.
Um número razoavelmente grande para lidar com uma pessoa apenas, mas, no caso, era bastante justificável. Lorena remexeu em seu bolso, tirando dali um aparelhinho retangular, feito de bronze. Em sua tela esférica, encontravam-se sinais numa linguagem que ela conhecia bem.
– Estou indo! – disse pelo comunicador, e desligou-o.
Guardou-o e, em seguida, respirou fundo.
Muito bem. Segurou o receptor de dados e concentrou-se. Deixou que um fluxo de energia percorresse seu corpo, enquanto pressionava com força o objeto em mãos. A seguir, sentiu um solavanco; cinco segundos depois, já não estava mais na Itália.
Sua cabeça foi envolvida num turbilhão durante segundos intermináveis. Quando a sensação desagradável terminou, ela se contraiu por conta do frio repentino. Olhou ao redor e assombrou-se.
Estava em uma caverna de proporções gigantescas. Muitas pedrinhas luminescentes perambulavam pelo ar, dando uma tênue claridade azul ao ambiente sombrio. Mais além, um filete de água cristalina ia até o local no qual estava parado um grupo de oito mulheres. Ceres acenou para ela.
Ao se aproximar, Lorena perguntou baixinho, a voz mais aguda do que o normal:
– Pelos deuses, que lugar é esse?!
– O subterrâneo de uma região desolada do norte da Rússia – respondeu Ceres. – Ainda estou desconfiada de que tenhamos conseguido chegar aqui. Até o momento, Charlotte vinha nos impedindo de encontrá-la. É como se tudo fosse... planejado.
– Provavelmente, ela deve estar tramando uma armadilha – disse alguém. – Precisamos ter cuidado.
– Provavelmente? – repetiu Lorena. – É evidente que ela nos atraiu para uma armadilha!
– Não fale tão alto – repreendeu Ceres.
– Desculpe. Mas, e aí, em que parte da caverna ela está de tocaia, esperando para nos pegar?
– Não sabemos ainda. Teria sido precipitação dela se nos desse acesso a essa informação... estávamos esperando que você chegasse; não é bom ir para uma missão potencialmente perigosa sem você atuando ao nosso lado.
– Vamos permanecer juntas, não?
– Afastamento está fora de cogitação. – Então, Ceres se dirigiu às demais: – Fiquem preparadas para lançar feitiços a qualquer momento.
Houve anuência geral.
Nos últimos tempos, quando não estava ocupada, Lorena vinha revisando diversos tomos antigos, buscando rememorar feitiços e encantamentos que não usava regularmente. Algo lhe dizia que teria de usá-los naquela situação. Por que Charlotte se escondera justamente ali? E por que, se até agora vinha procurando evitar os membros do Coven, simplesmente não deixara a caverna protegida contra intrusos? Pressentia algo ruim; redobrou, portanto, a atenção enquanto atravessavam a passos cuidadosos uma abertura na parede mais próxima à corrente de água.
Tal abertura se abria num extenso, espaçoso e escuro túnel, pelo qual se embrenharam com alguma dificuldade. Para que pudessem enxergar algo, utilizaram globos de luzes flutuantes.
– Cuidado agora, garotas – alertou Ceres. – Não sabemos o que vamos encontrar adiante.
Um espaço que parecia não acabar mais se abriu diante delas. As sombras da caverna consumiam seus corpos, pois as luzes não estavam adiantando muito.
– Vamos aumentar a iluminação – sugeriu Josefine, que ia mais atrás.
Acataram a proposta, cada uma instigando seus globos a ampliarem a luz fornecida.
– Charlotte está se deixando ser detectada – disse Ceres. As outras concordaram. Uma energia estranha era perceptível no ar. – Isso é, ao mesmo tempo, bom e ruim para nós.
– Por que ruim? – indagou Muriel, a mais nova do grupo, antes de uma ventania gélida varrer o ambiente.
As luzes se apagaram. Lorena tentou conjurá-las novamente, em vão. Mentalizou qualquer feitiço energético, para que pudesse enxergar algo, mas foi inútil.
– Fiquem juntas – pediu Ceres.
As nove aproximaram-se desajeitadas, aos tropeços, pois não conseguiam ver umas as outras. Lorena sentiu um aperto no peito. Ficaram paradas, à espera de qualquer coisa, quando alguém gritou ensurdecedoramente.
– Muriel?! – perguntou Ceres, tentando localizar a novata.
Um cheiro estranho chegou às narinas de Lorena. Forte, ferroso... Sangue.
De repente, houve uma explosão: não luminosa, mas muito intensa. As bruxas foram bombardeadas por algo que, a princípio, não conseguiram definir. Lorena abaixou-se corajosamente, de modo a pegar um dos objetos no chão. Estava molhado, deixando sua mão empapada. Mesmo sabendo que podia ser perigoso, aproximou-o para sentir o cheiro. Novamente, forte, ferroso. Carne morta. Carne... de Muriel!
Abafou um grito, sentindo vontade de vomitar. As outras não demoraram a se dar conta do que estava acontecendo. Lorena sentiu que alguém começava a passar mal perto de si.
– Vamos dar o fora – disse Ceres, seca.
Assim dizendo, começou a correr no breu, seguida pelas outras. Lorena não se mexeu, sentindo que imprudente fazê-lo. Tentou avisar às companheiras, mas não teve tempo: logo ouviu o barulho de tropeços e, depois, vários gritos.
Controlou o medo crescente em seu peito. Suspirou, contou até dez e abriu os braços.
– Redaille partacla vellsis.
Lembrou-se de súbito daquele feitiço, o último que tivera tempo de reler em seus livros. Não tinha muita esperança de que funcionasse, mas devia tentar. E não é que deu certo? Seu corpo foi automaticamente energizado, permitindo que ela iluminasse um pequeno trecho da caverna.
Viu os pedaços ensangüentados do corpo de Muriel e, mais adiante, as outras sete bruxas estiradas ao chão, mortas, sem um arranhão sequer. Tentou reprimir o choro, mas não conseguiu. Trabalhava com Ceres e Josefine há anos... e Muriel era apenas uma aprendiza! Aquilo era tão cruel e injusto!
Engoliu as lágrimas após alguns minutos, reunindo energia em suas mãos. Invocou palavras de vingança, que pareceram fortalecê-la.
– CHARLOTTE!
Ouviu uma risada histérica, insana.
– APAREÇA, DESGRAÇADA!
Lorena abriu novamente os braços, fazendo a luz se expandir ainda mais. Pôde ver, então, o rosto daquela que procurava há quase dez anos, mas nunca teve a oportunidade de apanhar.
Charlotte Cashmore era muito, muito magra, parecendo ser feita somente de ossos. Seus cabelos eram de um loiro sujo e caíam lisos pelos ombros. O olho esquerdo era quase negro, enquanto no direito refulgia o verde. Por fim, as vestes pretas esfarrapadas completavam seu ar de singularidade.
– Você que é a Lorena? – A voz dela era arrepiante. – Lorena Seravre? Ouvi falar muito em você, minha cara, e no seu interesse por mim...
Lorena calou-se, manipulando a raiva para usá-la em seu favor.
– Gostei do seu estilo – continuou ela. – Brilhante, devo dizer. Utilizou o Encanto Estabilizador de uma forma que poucas vezes vi na vida... Me diga: por que você está atrás de mim? O que eu fiz a você e ao resto do Coven?
–Você ainda pergunta?! – irritou-se Lorena. – Você é instável, ensandecida, perversa e perigosa... Usa seus poderes para fazer o que bem entende, expondo gente indefesa a situações terríveis! E quer mais razões? Eu dou: você acabou de matar oito de minhas companheiras, e eu juro... Eu juro que isso não vai ficar assim!
Charlotte gargalhou, para logo depois se calar.
– Eu, instável? EU NÃO SOU INSTÁVEL!
O chão da caverna tremeu às palavras dela.
– Não – concordou Lorena. – Nem um pouco...
A calma com a qual estava falando a surpreendeu. De súbito, perguntou:
– Qual é a origem da sua força? Você é nova demais para conseguir aprender tanto em tão pouco tempo!
O sorriso de Charlotte era enigmático.
– Você é inteligente, Lorena. Conseguiria descobrir sozinha, se fosse sobreviver depois de me enfrentar... o que não irá acontecer, infelizmente.
– É o que vamos ver!
Então, Lorena canalizou toda a mágoa e a tristeza daquele dia para lançar um único encanto, que balançou não só o chão, mas também as paredes do lugar. Houve um clarão avermelhado e, então, silêncio.
Charlotte desaparecera. Lorena parou por um instante, estarrecida. Tinha certeza de que não a havia eliminado: não teria sido tão fácil. Por que ela fugira, se poderia muito bem lhe causar dificuldades num combate?
Não sabia. Mas algo estava claro para si: teria de descobrir a origem dos poderes daquela mulher. Como? Hum... difícil saber. Mas, quando o fizesse, nada a pararia até que o corpo de Charlotte Cashmore estivesse tombado no chão, sem vida.
Seqüência
Lorena acendeu um cigarro e esperou pelo retorno de sua calma. Estava esgotada e irritada, e aquela era a única forma que encontrava para driblar sua aflição. Após quase um mês fora, respirava novamente o ar de Roma; contudo, nem mesmo o retorno ao lar e os recentes sucessos puderam deixá-la mais tranqüila. Estava, na verdade, muito insatisfeita, e a causa dessa insatisfação tinha nome: Charlotte Cashmore.
Mais uma vez, a maldita inglesa escapara à detecção do Coven! De onde vinha tanto poder? Será que ela não enxergava que era um perigo para o mundo com seu comportamento instável e agressivo? Ora, que pergunta... claro que não! E isso fazia Lorena ficar ainda mais nervosa. Derrotara sozinha um bando de harpias selvagens em Varsóvia na noite passada, mas não conseguia seguir o rastro de uma simples bruxa? A questão era: não estava falando de uma simples bruxa, mas sim de uma das mais poderosas que surgiram nas últimas décadas.
Seu celular tocou de súbito, dando-lhe um susto.
– O que foi, Ceres?
– Você não vai acreditar, Lô. Descobrimos o atual esconderijo da vaca!
A bruxa agitou-se ao ouvir aquilo.
– O quê?!
– Calma. Se eu tentar te explicar, vai ficar um pouco complicado. Você está onde?
– Mesmo que estivesse na China, eu me deslocaria agora mesmo. Anda, conta logo!
– Para facilitar as coisas, vou enviar as coordenadas; daí, você corre e vem nos encontrar aqui. Por favor, seja rápida; não sabemos quanto tempo vamos ter até que sejamos descobertas.
– Certo! Em quantas vocês estão?
– Oito.
Um número razoavelmente grande para lidar com uma pessoa apenas, mas, no caso, era bastante justificável. Lorena remexeu em seu bolso, tirando dali um aparelhinho retangular, feito de bronze. Em sua tela esférica, encontravam-se sinais numa linguagem que ela conhecia bem.
– Estou indo! – disse pelo comunicador, e desligou-o.
Guardou-o e, em seguida, respirou fundo.
Muito bem. Segurou o receptor de dados e concentrou-se. Deixou que um fluxo de energia percorresse seu corpo, enquanto pressionava com força o objeto em mãos. A seguir, sentiu um solavanco; cinco segundos depois, já não estava mais na Itália.
Sua cabeça foi envolvida num turbilhão durante segundos intermináveis. Quando a sensação desagradável terminou, ela se contraiu por conta do frio repentino. Olhou ao redor e assombrou-se.
Estava em uma caverna de proporções gigantescas. Muitas pedrinhas luminescentes perambulavam pelo ar, dando uma tênue claridade azul ao ambiente sombrio. Mais além, um filete de água cristalina ia até o local no qual estava parado um grupo de oito mulheres. Ceres acenou para ela.
Ao se aproximar, Lorena perguntou baixinho, a voz mais aguda do que o normal:
– Pelos deuses, que lugar é esse?!
– O subterrâneo de uma região desolada do norte da Rússia – respondeu Ceres. – Ainda estou desconfiada de que tenhamos conseguido chegar aqui. Até o momento, Charlotte vinha nos impedindo de encontrá-la. É como se tudo fosse... planejado.
– Provavelmente, ela deve estar tramando uma armadilha – disse alguém. – Precisamos ter cuidado.
– Provavelmente? – repetiu Lorena. – É evidente que ela nos atraiu para uma armadilha!
– Não fale tão alto – repreendeu Ceres.
– Desculpe. Mas, e aí, em que parte da caverna ela está de tocaia, esperando para nos pegar?
– Não sabemos ainda. Teria sido precipitação dela se nos desse acesso a essa informação... estávamos esperando que você chegasse; não é bom ir para uma missão potencialmente perigosa sem você atuando ao nosso lado.
– Vamos permanecer juntas, não?
– Afastamento está fora de cogitação. – Então, Ceres se dirigiu às demais: – Fiquem preparadas para lançar feitiços a qualquer momento.
Houve anuência geral.
Nos últimos tempos, quando não estava ocupada, Lorena vinha revisando diversos tomos antigos, buscando rememorar feitiços e encantamentos que não usava regularmente. Algo lhe dizia que teria de usá-los naquela situação. Por que Charlotte se escondera justamente ali? E por que, se até agora vinha procurando evitar os membros do Coven, simplesmente não deixara a caverna protegida contra intrusos? Pressentia algo ruim; redobrou, portanto, a atenção enquanto atravessavam a passos cuidadosos uma abertura na parede mais próxima à corrente de água.
Tal abertura se abria num extenso, espaçoso e escuro túnel, pelo qual se embrenharam com alguma dificuldade. Para que pudessem enxergar algo, utilizaram globos de luzes flutuantes.
– Cuidado agora, garotas – alertou Ceres. – Não sabemos o que vamos encontrar adiante.
Um espaço que parecia não acabar mais se abriu diante delas. As sombras da caverna consumiam seus corpos, pois as luzes não estavam adiantando muito.
– Vamos aumentar a iluminação – sugeriu Josefine, que ia mais atrás.
Acataram a proposta, cada uma instigando seus globos a ampliarem a luz fornecida.
– Charlotte está se deixando ser detectada – disse Ceres. As outras concordaram. Uma energia estranha era perceptível no ar. – Isso é, ao mesmo tempo, bom e ruim para nós.
– Por que ruim? – indagou Muriel, a mais nova do grupo, antes de uma ventania gélida varrer o ambiente.
As luzes se apagaram. Lorena tentou conjurá-las novamente, em vão. Mentalizou qualquer feitiço energético, para que pudesse enxergar algo, mas foi inútil.
– Fiquem juntas – pediu Ceres.
As nove aproximaram-se desajeitadas, aos tropeços, pois não conseguiam ver umas as outras. Lorena sentiu um aperto no peito. Ficaram paradas, à espera de qualquer coisa, quando alguém gritou ensurdecedoramente.
– Muriel?! – perguntou Ceres, tentando localizar a novata.
Um cheiro estranho chegou às narinas de Lorena. Forte, ferroso... Sangue.
De repente, houve uma explosão: não luminosa, mas muito intensa. As bruxas foram bombardeadas por algo que, a princípio, não conseguiram definir. Lorena abaixou-se corajosamente, de modo a pegar um dos objetos no chão. Estava molhado, deixando sua mão empapada. Mesmo sabendo que podia ser perigoso, aproximou-o para sentir o cheiro. Novamente, forte, ferroso. Carne morta. Carne... de Muriel!
Abafou um grito, sentindo vontade de vomitar. As outras não demoraram a se dar conta do que estava acontecendo. Lorena sentiu que alguém começava a passar mal perto de si.
– Vamos dar o fora – disse Ceres, seca.
Assim dizendo, começou a correr no breu, seguida pelas outras. Lorena não se mexeu, sentindo que imprudente fazê-lo. Tentou avisar às companheiras, mas não teve tempo: logo ouviu o barulho de tropeços e, depois, vários gritos.
Controlou o medo crescente em seu peito. Suspirou, contou até dez e abriu os braços.
– Redaille partacla vellsis.
Lembrou-se de súbito daquele feitiço, o último que tivera tempo de reler em seus livros. Não tinha muita esperança de que funcionasse, mas devia tentar. E não é que deu certo? Seu corpo foi automaticamente energizado, permitindo que ela iluminasse um pequeno trecho da caverna.
Viu os pedaços ensangüentados do corpo de Muriel e, mais adiante, as outras sete bruxas estiradas ao chão, mortas, sem um arranhão sequer. Tentou reprimir o choro, mas não conseguiu. Trabalhava com Ceres e Josefine há anos... e Muriel era apenas uma aprendiza! Aquilo era tão cruel e injusto!
Engoliu as lágrimas após alguns minutos, reunindo energia em suas mãos. Invocou palavras de vingança, que pareceram fortalecê-la.
– CHARLOTTE!
Ouviu uma risada histérica, insana.
– APAREÇA, DESGRAÇADA!
Lorena abriu novamente os braços, fazendo a luz se expandir ainda mais. Pôde ver, então, o rosto daquela que procurava há quase dez anos, mas nunca teve a oportunidade de apanhar.
Charlotte Cashmore era muito, muito magra, parecendo ser feita somente de ossos. Seus cabelos eram de um loiro sujo e caíam lisos pelos ombros. O olho esquerdo era quase negro, enquanto no direito refulgia o verde. Por fim, as vestes pretas esfarrapadas completavam seu ar de singularidade.
– Você que é a Lorena? – A voz dela era arrepiante. – Lorena Seravre? Ouvi falar muito em você, minha cara, e no seu interesse por mim...
Lorena calou-se, manipulando a raiva para usá-la em seu favor.
– Gostei do seu estilo – continuou ela. – Brilhante, devo dizer. Utilizou o Encanto Estabilizador de uma forma que poucas vezes vi na vida... Me diga: por que você está atrás de mim? O que eu fiz a você e ao resto do Coven?
–Você ainda pergunta?! – irritou-se Lorena. – Você é instável, ensandecida, perversa e perigosa... Usa seus poderes para fazer o que bem entende, expondo gente indefesa a situações terríveis! E quer mais razões? Eu dou: você acabou de matar oito de minhas companheiras, e eu juro... Eu juro que isso não vai ficar assim!
Charlotte gargalhou, para logo depois se calar.
– Eu, instável? EU NÃO SOU INSTÁVEL!
O chão da caverna tremeu às palavras dela.
– Não – concordou Lorena. – Nem um pouco...
A calma com a qual estava falando a surpreendeu. De súbito, perguntou:
– Qual é a origem da sua força? Você é nova demais para conseguir aprender tanto em tão pouco tempo!
O sorriso de Charlotte era enigmático.
– Você é inteligente, Lorena. Conseguiria descobrir sozinha, se fosse sobreviver depois de me enfrentar... o que não irá acontecer, infelizmente.
– É o que vamos ver!
Então, Lorena canalizou toda a mágoa e a tristeza daquele dia para lançar um único encanto, que balançou não só o chão, mas também as paredes do lugar. Houve um clarão avermelhado e, então, silêncio.
Charlotte desaparecera. Lorena parou por um instante, estarrecida. Tinha certeza de que não a havia eliminado: não teria sido tão fácil. Por que ela fugira, se poderia muito bem lhe causar dificuldades num combate?
Não sabia. Mas algo estava claro para si: teria de descobrir a origem dos poderes daquela mulher. Como? Hum... difícil saber. Mas, quando o fizesse, nada a pararia até que o corpo de Charlotte Cashmore estivesse tombado no chão, sem vida.
Seqüência