O outro lado -> Parte I - O Por do Sol

Eu andei andando só por andar. A cidade é bela se está só a passar e a olhar, sem ter aonde ir, enfim; Não aconchegante, mas bela como um labirinto gigantesco, familiar e traiçoeiro.

As ruas que se passavam uma pós outra, não me traziam a hospitalidade que eu esperava encontrar nelas; estavam cinza e pretas em tons de sombras alaranjadas.

Vejo-me perdida, talvez. Essa rua me é familiar, mas qual era mesmo o seu nome?! Olhe, ali, há um dos famosos tênis da fiação elétrica, engraçado como as pessoas parecem gostar de voltar descalças; ou quem sabe elas não seguiram em diante?

Não me permito parar, as pernas se batem num confronto brutal para decidir onde me levar. Os caminhos asfaltados se emaranham a minha frente. Nunca foi fácil decidir e todas as sátiras, e todo meu sarcasmo, todas as minhas ironias e metáforas não me ajudam em momentos como este.

Procuro dentro de mim onde foi que deixei a minha bolsa cheia de respostas, tudo está tão leve que eu correria, só os pontos de interrogação a minha frente são meus obstáculos hoje, já que deixei a bolsa na ultima estação de trem.

Eu lembro bem, as respostas eram muitas, num caderno escuro dentro da minha bolsa sobre meus ombros, pesando, me maltratando. Talvez fosse mais saudável tê-la agora comigo; respostas, explicações sobre o mundo, minha vida e o fundamental a saber para viver. Eu andava pesquisando, tentando mudar minhas respostas lacônicas, meus “porquês sim e porquês não”. Não, nunca gostei do “talvez”, mas “depende” me atraía, porque sempre vinha algo mais depois.

Eu lembro bem, duas páginas em branco, duas últimas páginas reservadas para a resposta que não consegui encontrar: meu motivo de andar, andar e andar; meu motivo para ter abandonado tudo para trás. Eu sempre fui tão forte. Sempre encontrei todas as respostas até nos lugares mais impossíveis e improváveis. Sempre com minhas perguntas afiadas. Hoje ando e só ando, por mais pobre que minha criatividade possa parecer assim, só andando por andar andando.

Eu quero me esgotar e terminar a bateria da minha vida hoje, sem resposta mesmo, pois é sem bateria que ela será respondida.

Nula. Zero. [RECARREGUE LOGO!], brilha meu visor.

Minhas pernas param, então. Era aqui, enfim?!

A visão é tão linda que me arranca um suspiro sem aviso prévio. Como se sentisse o ar entrando em minhas traqueias, nos meus brônquios: meu pulmão se enche com dificuldade. Isso merece uma pausa para uma admiração apropriada.

- Eu conheço aqui, isso me é familiar, só está alaranjado –

Minha existência substancial e ideal se encontra num mundo diferente; na mesma cidade, cinzenta e preta alaranjada, mas num paraíso perfeito, tudo o que eu queria ver. Os carros atravessavam com seus ruídos lá embaixo e minha presença é quase insignificante perante a magnificência do pôr-do-sol a minha frente colorindo as casas, brilhando os carros com um brilho ofuscante, e tingindo o céu do amarelo, passando pelo laranja, o rosa e chegando ao vermelho sangue até que enfim se arroxeie lá em cima, onde as estrelas tímidas apareciam tão pálidas que não as veria se não estivesse só andando.

Esse pôr-do-sol, que é lindo e me chama para ir encontra-lo lá na frente, no fundo no fim de tudo.

A superfície aos meus pés parece se mexer e eu percebo estar andando ao encontro da grade que me separa do paraíso. Meus ouvidos se surdam para os carros ruidosos lá embaixo e meu olhos se abrem para as cores e brilhos a minha frente.

Eu não posso perseguir, a grade me impede de abraçar as cores. Minha boca se abre para um grito, ma não produz som algum e meu visor brilha novamente [BATERIA FRACA – RECARREGUE LOGO!]

Re-carregarei... Há uma fonte de energia a minha frente, eu me projeto para frente abrindo os braços para agarrar meu paraíso a frente. Ele será só meu.

...

Eu estou no chão, os carros rápidos desviam por pouco do meu corpo inválido no chão.

Alguém vem e me toca, meus olhos se abrem com esforço e ele me diz “venha, eu vou te ler.”, mas me deixa no chão com a maior das alegrias no peito batendo em mim. Não é meu coração, eu descobri a última resposta.

~>A todos que compartilham comigo minha caminhada eterna.

Pois eu já sou imortal.

Sabrina Vieira
Enviado por Sabrina Vieira em 04/08/2008
Reeditado em 09/10/2012
Código do texto: T1113062
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