ASSASSINATO NA REDE

Conheceram-se adolescentes e não se viam há anos. Ilan morava agora na Paraíba, onde negociava com imóveis. Jacira nunca trabalhara fora, vivia da pensão minguada do falecido pai e cuidava dos avós adoentados, com quem morava no subúrbio. Fora uma garota engraçadinha, mas, desde a morte dos pais, murchara em espírito e inflara no físico: tinha baixa estatura e pesava acima de 90kg. Ilan fora sua paixão dos tempos da ingenuidade. Tivera mais tarde dois ou três namorados e, por fim, um marido irrequieto, que a abandonou 3 meses após o casamento. Reencontrara casualmente Ilan em suas noites de vigília na internet. Fora um achado, de grande impacto emocional. Há mais de ano mantinham relações virtuais, com altos e baixos, crescentemente tensas. Ilan pareceia comprazer-se em atormentar Jacira: seus modos impositivos lembravam pequenas maldades infantis. Mas sabia convencê-la com o poder avassalador da palavra e das boas lembranças do passado. Falando ou escrevendo, era sempre aquele homem forte, inteligente e bonito. Jacira acreditava que a sua passividade infeliz atiçava o instinto sádico do companheiro, o que aumentava a sua taxa de infelicidade. Mas era muito bom tê-lo; talvez tivesse razão e gostasse muito dela. Ilan insistia para que Jacira tomasse uma atitude e fosse passar um tempo em João Pessoa. Repetia-lhe, pela magia digital da comunicação à distância: "Toma decisão, esses dois velhos tirânicos vão acabar com tua vida!". Eram comandos de efeito profundo a bailar descompassadamente em sua cabeça debilitada pelo serviço doméstico interminável. E assim passava noites insones, com idéias confusas machucando o cérebro. Certa manhã, desperta de longo transe, quase feliz, tomou demorado banho, arrumou a valise, apanhou o dinheiro sob os cobertores no armário e partiu firme firme rumo à rodoviária. Deixou o PC ligado, apenas atirando pela janela o machado ensanguentado. O amigo iluminado de João Pessoa a receberia feliz.