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Rotina de Casamento: o voyeur

 

 

Aos 16 anos, Eduardinho estava naquela fase que todos conhecem: rosto cheio de espinhas, obsessão por jogos eletrônicos, celular ou tablet nas mãos irrequietas, séries intermináveis na NETFLIX e intensa intimidade com banhos demorados. Essa a rotina diária.

O desempenho na escola caíra vertiginosamente, carimbando o boletim escolar com recheadas notas vermelhas. Não queria mais sair de casa, nem mesmo para o shopping. Depois que chegava do colégio, entocava-se em seu quarto, sempre mantendo a porta trancada.

Nos fins de semana, então ... não fugia desse mundinho, sequer para as refeições em família. Certo dia, após reclamação veemente da mãe, fez-lhe pedido inusitado: “Em meu aniversário, quero 01 frigobar pra meu quarto!”.

A mãe 'inocente' reclamava desse comportamento arredio. Não sabia mais o que fazer. A si mesma,  toda semana prometia que o levaria ao psicólogo — a situação lhe tirava o sono, deixando-a estressada e mal-humorada. Nos grupos de whatsapp, em conversas com amigas mais próximas, insistia no mesmo assunto: a fase difícil do Eduardinho! A mulher não tinha outra coisa a falar, até que ... saco transbordando pela tampa, o marido lhe disse na cara:

____ Querida ... cê tá sendo 'tonta' com essa lenga-lenga! Eduardinho apenas descobriu os prazeres do sexo!
____ Como? Se não sai de casa e vive o tempo todo enfurnado no quarto!
____ Por isso mesmo ... é a fase da 'punhetinha diária'! Todo adolescente passa por ela! E... alguns, continuam a vida toda!
____ Mas...
____ Não tem 'mas' ... no meu tempo, nas revistinhas pornôs, comia as mulheres mais gostosas do mundo! Hoje, tem tudo escancarado na internet!

A conversa foi dura, sem subterfúgio. Esclarecedora 'o suficiente' para se estabelecer regramento ao garoto, sobre uso do tablet, celular e demais jogos eletrônicos. Além dessas medidas impositivas, aos domingos, teria que almoçar com os pais, sem qualquer desculpa para ausência. Precisavam recuperar 'urgentemente' a convivência com ele.

No entanto ... Eduardinho não deu mole. Muito esperto, com o dinheiro da mesada, comprou um binóculo. Perguntado sobre o 'porquê' daquele repentino interesse, sorriu enigmaticamente e se saiu com essa narrativa: “Gosto de ver a lua e as estrelas no céu”. Verdade seja dita, seu interesse era outro. Na janela do quarto, segundo andar, tinha ampla visão da piscina dos vizinhos — que, aos fins de semana, ficava repleta de moças e rapazes, divertindo-se alegremente e bebendo shots.

Ali, estava a nova fonte de matéria-prima para suas elucubrações fantasiosas 
ver ao vivo e em cores, as garotas de biquini tomando banho de sol ... livres, leves e soltas. Com o binóculo podia dar 'zoom' nos corpos sarados e bronzeados. Como o movimento era intenso, o garoto se fartava de tanta atividade física e mental.

Eduardinho desenvolvera, até, um ritual muito peculiar: esperava a piscina encher, dava um tempo ... escolhia as garotas mais gatas e ficava atento, observando tudo ... seios, pernas, coxas, bundas e, especialmente, a parte inferior dos biquinis. Quanto maior o volume, mais o garoto se empolgava e ardia em tesão.

Certo domingo, foi além da conta. Fixou-se numa loirona de cabelos curtos, pernas compridas, seios bem pequenos e um rosto diferente. Tinha algo nela muito, muito atraente ... vestida naquele biquini amarelo com bolinhas azuis, que o deixou entusiasmadíssimo e em pé de guerra.

Como a 'blondie' se mexia a todo instante, ajustando insistentemente a minúscula calcinha, que, teimava em sair do lugar ... Eduardinho estava em ebulição. Decidiu-se, naquele instante, qual seria a musa da vez: “Vô comê a loura gostosona!”.

Nervoso ... a mão esquerda segurava o binóculo com força, enquanto a outra trabalhava furiosamente, num ritmo acelerado. A respiração ofegante e o coração a mil por hora, refletiam seu ânimo.

E, foi rapidinha a primeira "lapingochada". Alguns minutos depois, a segunda; mais meia hora, a terceira. E, quase não deu ... suando feito chaleira de bico, à meia bomba, heroicamente chegou a quarta arremetida. O moleque estava inspirado!

Eduardinho mal se vestiu e logo ouviu os gritos estridentes da mãe, chamando-o para almoço. “Pôrra... foi bem na hora!”, disse a si mesmo. Rapidamente descia a escada, ao encontro dos pais. Sentou-se à mesa, enquanto a mãe lhe fazia o prato predileto.

 

Absorto, pensando na loiraça que lhe inspirara os desejos mais primitivos, mastigava sem muita convicção. Foi despertado com a mãe indagando ao marido: “Meu bem ... o que tanto olhava na piscina dos Almeida Prado, cedo no jardim?”.

Encabulado ... por ser pego espiando as garotas na piscina, o marido respondeu-lhe: “Nada demais, meu amor! Apenas um travesti ridículo, vestido num escandaloso biquini amarelo com bolinhas azuis, ajeitava a calcinha o tempo todo, pois seu pinto teimava em aparecer!”.

Ouvindo o pai, Eduardinho arregalou os olhos e começou a vomitar convulsivamente. A mãe assustada, correu a acudi-lo: “Tá passando mal meu filho? Foi a comida? Foi a comida que embrulhou o estômago?”.

Desconfiado pela insistência materna ... mirando pra baixo, com os olhos cheios d’água, Eduardinho se entregou de vez: “Juro que não sabia, mãezinha... a comida fez mal, sim!”.

 

(Reedição)

 

Post Scriptum  

 

O conto é o terceiro da série "Rotina de Casamento". E, espero que não seja visto sob qualquer conotação homofóbica — a 'opção de gênero' é absolutamente pessoal e instransferível. Faz parte da 'construção soberana' da história de cada indivíduo.

 

Quanto ao possível comportamento arredio de Eduardinho, entendo que tem conexão com a relação entre as descobertas da vida e o mundo tecnológico hodierno, repleto de possibilidades, tentações e armadilhas. O que devem fazer os pais, diante desse cenário de transformações?   

 

Antônio NT
Enviado por Antônio NT em 05/12/2023
Reeditado em 13/01/2024
Código do texto: T7947202
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