ARMÁRIO BRANCO

ARMÁRIO BRANCO

(20/02/2019)

Nascemos desconstruídos.

Só o tempo é capaz de mostrar para que lado apontar o nariz, e a importância do cheiro do leite materno, das matas, da pólvora ou da maresia.

Só os tropeços ensinam como andar no passo a passo, onde colocar aqueles pés que um dia levamos à boca.

Só a música da vida cantada pelos pássaros afina, no afeto do colo paterno, a batida do coração com o tamborilar dos dedos.

A ânsia da construção de um novo eu, fascinante por sinal, faz com que as aquisições ocorram de forma acelerada.

Na trajetória iluminada de cada um surgem atores que ligam ou desligam os interruptores do pensamento ou das trocas, que por vezes ficam ali no canto, acabadas ou incompletas, fechadas hermeticamente ou com alguma fresta, à espera de um destino.

À espera daquele dia em que os ponteiros das horas se lentificam e nos mostram seu significado e onde guardá-las.

E então, para gozo e riso de cada um de nós, surge um grande armário, branco por fora, mas multiforme e multicolorido, espaçoso e receptivo, que com rangidos de dobradiças e dobraduras abrigará em prateleiras generosas aquelas nossas construções.

Existem armários que têm sete chaves e cadeados.

Outros, como o meu, sequer fechadura tem.

Entrem sem bater.