Barriga vazia

 

As dores iam e vinham cada vez menos espaçadas. Deitada no colchão de capim, feito pelo marido, sobre uma cama de madeira rústica, ela suava em bicas e tentava colocar para fora de si mais aquele rebento que não mais queria em meio a muitas contrações e pensamentos tristes. Sabia que não deveria ter mais filhos, mas o que fazer se o marido exigia seu corpo, seus direitos de marido. Restava penas obedecer. Já cinco bocas para alimentar.

O marido vivia de bicos e ela lavava roupa na casa dos ricos.

Não sabia como seria quando parisse mais esse. Não queria e nem era hora para pensar nisso, no entanto não conseguia deixar de imaginar a penúria dos dias que viriam. Com certeza passaremos necessidades outra vez. Sem as lavagens de roupa a comida vai faltar na mesa. Esses pensamentos não lhe saiam da mente enquanto as dores se aproximavam. Uma atrás da outra sem trégua. As costas lhe doíam. A criança empurrava uma barriga entumecidos na ânsia de querer vir ao mundo. Ainda bem que para essa tem o meu leite a comida não vai lhe faltar. Mas, e os outros?

Uma pontada no pé da barriga a fez se arrepiar de dor. Tentou respirar como um cachorrinho para amenizar as contrações, porém seu pensamento voltava para as outras crianças e seu semblante se descontraiu ao lembrar que enquanto elas estivessem na escola teriam o que comer. Não vão passar fome. Os olhos marejavam.

A vida era dura naquela humilde casa, mas em compensação existia união e amor. Naquele momento as filhas mais velhas rodeavam a cama da mãe e a olhavam com olhos arregalados e assustados antevendo o que estava por vir. Esperavam ansiosas pelo pai e pela parteira. Enquanto isso, lágrimas quentes molham as faces da mãe pois é tomada por lembranças dos anos vividos até hoje. Coisas boas e ruins. Uma avalanche de imagens desmorona de sua mente enquanto sente mais uma pontada de dor no baixo ventre. Parecia que a criança tinha muita pressa em sair dali. Não sabe ela que é muito melhor ficar guardada em mim.

As imagens correm e entram ligeiras nesse quarto pequeno onde a mãe padece as dores de mais esse parto, e se deparam com crianças chorando. Cataporas, sarampos, febres, fome, miséria... às vezes, amor. Parece escutar suspiros profundos. As contrações passam um pouco e as imagens se aquietam como se sentissem pena dessa mãe.

Essa casinha pequena e humilde guarda em suas entranhas o som de choros e de risadas.

O pescoço dói. A cabeça dói. Tudo dói. Está destroçada. Move a cabeça de um lado para o outro. O bebê em sua barriga entumecida parece em vias de lhe arrebentar as entranhas. Onde está essa parteira? Grita alto. Se contorce. As meninas se assustam ainda mais. Procuram acalmar a mãe alisam os cabelos revoltos e molhados de suor a lhe escorrer pelo corpo.

Um barulho é ouvido do quartinho apertado. Porta escancarada. A parteira chega. Toma as rédeas da situação. Expulsa as meninas do quarto já tão pequeno. Água quente nas panelas, panos encardidos, toalhas ásperas. Passos apressados da pequena cozinha ao quente quartinho. Um grito forte, em seguida um grito forte, mas que logo se torna um grunhido fraco. Olhos fechados, a cabeça da mãe pende para um lado, morta de cansaço.

Um dia e uma noite de sofrimento. Abre os olhos. Silêncio no quarto onde até há alguns minutos imperava a balbúrdia, a correria, os gritos de dor e alegria. Sente um estremecimento a lhe percorrer o corpo cansado. Ao seu lado, um pacotinho enrolado e frio.

 

 

 

 

 

LéiaXavier
Enviado por LéiaXavier em 17/11/2023
Reeditado em 15/07/2024
Código do texto: T7933881
Classificação de conteúdo: seguro