O ator, o político e o demagogo
Valéria Gurgel
Conta-se que certo dia, diante um cenário tenso, pleno de rivalidades e dissensões entre portadores de ideologias variadas, um discípulo perguntou a seu mestre qual deveria ser o verdadeiro papel do político para a sociedade.
O velho sábio, o respondeu com outra pergunta:
- Você sabe qual a diferença entre o ator, o político e o demagogo?
O discípulo titubeou e, como o seu Mestre fazia diante de uma pergunta delicada, se afastou dali por algumas horas, e caminhou pelas areias de uma praia deserta antes de responder. Sentiu que a pergunta ia além de sua percepção de mundo. Precisaria refletir bastante e poder encontrar uma boa resposta. Queria provar a seu Mestre estar consciente de quem era cada um deles.
Em dado momento chegou a acreditar não haver muita diferença entre os três. Neste momento da caminhada encontrou um dicionário, já de folhas amarelecidas, abandonado em uma falésia. Acreditando ser de ordem providencial, tomou ansioso aquele livro, folheou-o em ordem alfabética e encontrou a explicação e o sinônimo para cada um deles.
Ator: Comediante. Aquele que representa no teatro, cinema, rádio, televisão; artista, intérprete. Do latim actor; agente, o que faz, que executa alguma ação. Fazer, colocar em movimento, agir.
Demagogo: Quem se comporta de maneira interesseira, ambiciosa, visando a manipulação dos interesses populares, através do discurso. Do grego demagogós; o que guia, lidera, age em favor do povo.
Político: Polido, cortês, delicado, desconfiado, astuto, estadista. Do grego, politikós; relativo a cidadão e ao estado, hábil na administração de negócios públicos. Segundo Platão, “o político é um ser ligado à ideologia filosófica de conduta”.
O jovem discípulo se sentiu mais confuso ainda diante das explicações expostas no dicionário. Ele via uma certa incongruência naquelas informações e não podia admitir tudo aquilo.
Voltou ao encontro de seu Mestre e novamente questionou:
- Mestre! Busquei informações em um dicionário e me perdi totalmente. Os sinônimos não são aceitáveis, não afirmam na íntegra o que deveria ser e representar cada papel. Vejo que há incoerências ali.
- Sim, meu jovem aprendiz, você teve uma excelente percepção dos fatos, e então o que você concluiu de tudo isso?
- Que é mais possível um político ser demagogo que ser um ator! Apesar de se assemelharem muito aos comediantes.
- E porque, meu jovem, chegaste a essa conclusão?
- Porque o ator aprendeu antes de subir no palco, onde possa ser aplaudido ou vaiado, a viver e sentir na alma a dor, a insatisfação, a alegria, a tristeza, a pobreza e a riqueza o amor, o ódio, o prazer, o dissabor, inseridos no drama da vida real de cada personagem que ele representa! A sua maior ação é a de promover a reflexão dos expectadores e não a manipulação, mesmo que seja através de lágrimas ou de boas gargalhadas!
- E o demagogo?
- O demagogo, bem… ao exercer sua demagogia ele faz a clássica e contundente representatividade política. Não há indissolubilidade entre os dois. Acredito que o que falta no político e no demagogo é a sensibilidade do ator. A arte de saber atuar e agir; com a transparência e o equilíbrio entre o sentimento e a razão!
O velho sábio deu-lhe um leve tapa nos ombros e com uma boa gargalhada disse:
- Nesse nosso modelo de sociedade, todos querem, ou tentam ser atores! Agora, você está apto para sentar na plateia do mundo e assistir ao espetáculo do pão e do circo na arena do poder!