A queda

Daniel sonhou que pulava da Ponte do Rio Negro. Antes de pular contemplou o infinito, o céu, o vento. Ele sentiu a chuva leve e viu as fitas amarelas amarradas pela estrutura da ponte. Ele se questionava se aquela queda lhe mataria rápido ou se ele ainda sobreviveria com sequelas, ou até

tivesse uma morte lenta se afogando com a mobilidade bem prejudicada.

Subiu na grade da ponte e sentiu a gravidade lhe puxando contra o medo. Ele finalmente compreendeu o que era a vida, mas disse: Tarde demais, agora eu quero conhecer a morte. Havia um desejo de descer e ir para casa, mas a

vontade de dar o próximo passo era muito maior. O que tem do outro lado?

Parece valer a pena ir! – E foi.

Ele saltou e sentiu que por alguns instantes o mundo todo parou. Daniel contemplou o vazio e o silêncio. Quando o tempo voltou ao normal, sentiu um impacto gigantesco e ficou paralisado sem conseguir mover sequer o pescoço.

Ele pensou: ficarei sem meus movimentos. Terei que viver com isso. A consequência suprema de um dos meus erros. Uma resiliência absurda com

gosto desprezível de autopiedade.

O sonho foi ficando cada vez mais vívido e lúcido quando de súbito Daniel foi puxado para as profundezas do Rio Negro com um ódio tóxico. Uma ira mórbida e destrutiva. Sua visão foi ficando escura e ele sentia aquela presença

maligna lhe arrastando para o além do abismo.

Daniel acordou tremendo sentindo que algo havia sido levado. Parecia que naquele dia alguma coisa tinha se desgrudado dele. Era como se ele pudesse entender o porquê de suas ações e onde elas impactavam no mundo.

Ele pensou em voz alta: dar sentido à vida é o único sentido possível.

O jovem rapaz saiu de casa e viu a lua e o sol ocupando o mesmo céu. O dia estava realmente lindo e Daniel se sentia realizado. Caminhou pelas ruas e com bom humor cantarolava. Um recomeço é sempre uma possibilidade. Está na hora de mudar de vida – disse convicto de quais caminhos trilhar.

Olhou para o céu novamente e disse: Parece que os céus também estão felizes. O sol e a lua reataram seu casamento – E sorriu alto, antes de ser

atropelado por uma carreta desgovernada na Avenida Paraíba e morrer na hora.