O homem que viu tudo nos espaços vazios
Daniel estava triste e andava na praia enquanto se perdia em devaneios. Refletia sobre os relacionamentos fracassados que outrora tivera e se machucava com as mágoas do último. Estava indignado, pois, sabia que diversas vezes esteve em situações que poderia ter evitado aumentar o problema, mas por medo de machucar a outra pessoa se absteve da tomada de decisão. Ele se questionava se não era melhor destruir do que ser destruído.
Enquanto sentia o vento soprando seus cachos já grandes, e sentia a areia fofa invadir seus pés disse em voz alta: quem tem pena do miserável, miserável se torna. Daniel sabia que era culpado por tantos desastres e se perguntava constantemente com arrependimento o porquê ser sempre tão difícil fazer a escolha certa. Profundamente aniquilado do último desastre amoroso, com o peito estilhaçado e uma raiva crescente por ter confiado em alguém que no fim jogou em sua cara todas as coisas que por impulso confidenciou, sentou no chão e se pôs a chorar enquanto ouvia o som das ondas quebrar na praia.
Estava anoitecendo e uma lua quase cheia brilhava no céu. Não havia mais ninguém na praia e o ambiente ficava cada vez mais escuro. Em prantos, com os olhos inchados e doloridos, deitou-se e respirou fundo uma, duas, três vezes até que se encontrou prestando atenção no céu e nas incontáveis estrelas que piscavam. Quanto mais olhava escuridão acima, parecia que mais estrelas apareciam. Finalmente cessou o choro, fechou os olhos e cochilou por uns breves minutos. Quando de súbito acordou, sentiu-se estranho com a percepção de que estava sozinho numa praia deserta. Percebeu que protagonizava junto à solidão a contemplação de sua insignificância perante à totalidade do universo e então sentiu um enorme vazio.
Daniel foi acometido por uma abissal angústia quando teve consciência da grandiosidade do universo. Com as mãos sujas de areia lembrou das aulas de física do ensino médio quando o professor disse que existiam mais estrelas do que todos os grãos de areia de todas as praias do mundo. Ele, somente mais um homem, estava deitado na superfície de um planeta, que não é mais que só um de um sistema que orbita uma estrela, que tão somente é uma dentre as bilhões de outras estrelas da via láctea, que não é mais que uma galáxia num oceano colossal de outras galáxias com suas próprias estrelas, planetas, energias, orbitas, tempo e espaço específicos que talvez ele jamais saberia ao certo a dimensão. Quando tentava entender a dimensão de tudo aquilo se confundia e se perdia em devaneios paradoxais.
Lembrou de Torriccelli dizendo que vivemos num oceano de ar. Ao respirar fundo lembrou que tudo dentro da terra está sujeito à pressão atmosférica, a não ser que se crie um vácuo. O que seria o vácuo, pensou ele. E então pensou no vazio que há pouco havia lhe invadido. O vazio, o vácuo, o nada. Ora, não eram todos a mesma coisa? Foi quando refez a pergunta a si mesmo e disse em voz alta - O que é o nada? – Em seguida questionou-se se havia alguma relação entre a pressão que sentia contra seu peito, a pressão atmosférica e o nada. Não mais que de repente se pôs a gargalhar quando pensou que misturando sentimentos com mecânica quântica lhe deixava perto de ser um coach quântico, coisa que detestava.
Sorrindo com sua companhia sobre o breu da noite e solidão que lhe cercava voltou a pensar no céu e unicamente nele. Seus sentimentos poderiam esperar, eram tão pequenos e insignificantes quanto ele naquele momento. O que é uma mágoa e a dor de um termino comparado a uma nebulosa, um buraco negro ou a possibilidade de o universo ser somente mais um dentre um oceano infinito de outros universos? Pensou com fantasia que se o universo fosse mesmo infinito tudo, absolutamente tudo, poderia ser possível. Até mesmo a cura para suas dores e rancores. Daniel se irritava, pois, apesar de tentar manter a cabeça distante vez ou outra fazia uma analogia com suas emoções.
Disse ele – tudo é uma questão de tempo e espaço – enquanto visualizava o universo como um grande tecido maleável e facilmente distorcido pela gravidade da matéria. Fechou os olhos por uns instantes e ao abrir viu uma estrela cadente. Por um impulso ilógico fez um pedido – eu gostaria de poder viajar por todo universo com consciência, resistência e na velocidade que eu quiser- riu do absurdo que havia pedido e se deu conta que gostava de sua companhia. Imaginou a curvatura espaço-temporal e o estrago que ele poderia fazer se tivesse o poder de construir um buraco negro ao lado do sol. Foi atormentado por instante pela dimensão catastrófica que essa ação teria. Por um momento sentiu vontade de apagar o que havia pensado, pois teve pavor à destruição de tudo aquilo que ele conhecia. O que mais lhe machucava é que se ele tivesse o poder de criar um buraco negro, depois que a terra fosse destruída ele ficaria sozinho vagando pelo universo. E que diferença faria se ele estava sozinho naquela praia de qualquer forma sem ninguém para sequer se importar com seu sumiço? Voltou a ficar triste.
Tudo pode ser transformado? – Questionou-se. Voltou a pensar no que aconteceria se ele fosse imortal e ficasse vagando pelo universo. Além do tédio, perguntou-se o que faria quando finalmente o universo estivesse se expandido a um ponto que seria impossível ver a luz das estrelas vizinhas. Não haveriam estrelas vizinhas. Tudo estaria tão distante e ficaria apenas vácuo, o vazio, o nada. Percebeu que agora o cerne das suas dúvidas orbitava o vazio e lembrou do pouco que sabia da mecânica quântica. Quando você olha uma lâmpada incandescente provavelmente não para para pensar que dentro dela há vácuo. Se não houvesse vácuo o filamento se apagaria em poucos segundos. Um despertador dentro do vazio não emite som, pois, as ondas precisam do ar para se propagar. Logo, pensou Daniel, além da escuridão total sem estrelas, ainda haveria um profundo silêncio. Pensar em tudo isso ajudava o melancólico rapaz a dar valor a tudo que ele tinha. Prestou atenção em volta e ficou feliz de poder ouvir o som do vento batendo nas árvores, do mar, da sua respiração. Ele nunca havia separado um momento do seu dia para agradecer por poder ouvir.
Há vazio em todo lugar, pois, no vazio há partículas subatômicas. Flutuações quânticas que se interligam diretamente com o macrocosmo, tudo que a física clássica e a teoria da relatividade geral podem explicar. Mas, havia um detalhe que fazia Daniel se questionar mais ainda. O princípio da incerteza de Heisenberg. Ora, a natureza é incerta. Não somente o mundo quântico apresenta suas instabilidades. A incerteza é fundamental nas leis naturais. Foi quando riu novamente, achando estar louco por rir tanto sozinho, e disse em voz alta – como aquele ser esperava certezas de minha parte se a inconstância de tudo vai de encontro à arrogância humana de ter controle? Muitos cientistas acreditam ser impossível unir a mecânica quântica com a relatividade geral de Einstein, mas difícil mesmo é unir a lógica com relacionamentos amorosos – sentou-se e riu com ironia.
Daniel se levantou, limpou as mãos, as roupas, olhou para cima mais uma vez e agradeceu aos céus por lhe ajudarem a achar respostas. Agora ele sabia que as dores que sentia passariam e era somente uma questão de tempo, espaço e quem sabe a influência da gravidade na sua vida. Sentia-se único, porém, no que tange aos relacionamentos sabia que ninguém é insubstituível. Por mais que as músicas, os filmes, a literatura clichê fale em almas gêmeas, a pessoa certa para ficar, e outras crenças limitantes do amor, a grande verdade é que para um relacionamento dar certo as duas pessoas devem estar conscientes de que é muito fácil perder a paixão por alguém e que somente o amor não sustenta uma relação. Um relacionamento se baseia na escolha de duas pessoas em querer ficarem juntas apesar dos pesares. Na cabeça de Daniel passavam cenas do que ele imaginava ser o universo na sua totalidade e essas imagens se misturavam com sua (in)certeza de que para viver um grande amor é preciso ter os pés no chão, mas jamais deixar de ter a cabeça nas nuvens, afinal, a relação entre amor e razão é tão possível quanto a interligação entre o tudo e o nada, a mecânica quântica e a relatividade geral. É tudo uma questão de tempo e espaço e quem sabe também a gravidade.
Daniel foi para casa pensando que depois de se curar das últimas feridas, se for para ter outro amor, que seja algo que mude a orbita dos seus planetas. Algo que altere a curvatura do seu tecido espaço-temporal. O moço ria sozinho noite adentro imaginando ser um lunático por misturar teorias físicas com seus devaneios melancólicos e distorcidos.