CHAVES

Chaves sempre saía de casa as seis da manha. Bem disposto e desenvolto em seus movimentos, o cinquentão baixo e sisudo, usando a indefectível camisa z xadrez, calças pretas e envolvido pelos arcos de pano do seu tradicional suspensório azul gostava de andar tranquilamente pelas ruas da pequena cidade sendo quase espremidos pelas construções coloniais nos pequenos becos. Aquelas ruelas mal o cabiam, não fosse pela dose excessiva de brilhantina que trazia frescor à sua cabeça de cabelos grisalhos, sentiria calor apesar de ainda estar tão cedo. Gostava de andar um pouco todo dia antes de ir à igreja. Era sagrado: todo dia às 6:30 estava sentado na primeira fileira de bancos da velha matriz para assistir a primeira missa. Enquanto andava em direção á igreja ia fazendo suas orações e sentia-se animado e tranquilo. Já estudara num seminário na juventude, e quase se tornou padre, mas desistir por se apaixonar por Doroteia, uma linda moça que conseguiu com sua beleza e encanto fazê-lo desistir de seu chamado. E que também o abandonou após o primeiro ano de casamento. O homem então se fechou em copas e tornou-se o que todos chamam de sistemático. Um senhor metódico, cheio de manias, rabugento e que não hesitava em apontar o dedo e descrever com minucias os defeitos dos outros. Isolou-se mergulhado em sua misantropia e exigindo de todos uma moral ilibada, um comportamento perfeito. Sempre cobrando algo de alguém ou mostrando insatisfação com tudo a sua volta. -Ah os tempos modernos... esse povo de hoje.... Não existe mais respeito. ...Sempre assim de cara fechada e carrancuda. Somente no frescor dessas manhãs consegue relaxar um pouco, até entrar na matriz onde ali retoma a sisudez e se fecha novamente para qualquer resquício de vida que teime em entrar dentro de si.

Naquela manha enquanto seguia seu trajeto costumeiro, uma coisa estranha lhe aconteceu. Duas moças muito bonitas vinham pela rua, pareciam bêbadas e no beco estreitíssimo, por mais que se esquivasse Chaves não pode evitar de esbarrar em uma delas. A moça atrevida vendo o desconforto do senhor e ao mesmo tempo percebendo que o toque o havia excitado aproveitou para provocá-lo. Ela soube de imediato que despertara algo há muito reprimido naquele senhor que apesar de modos recatados ainda conservava em si um fogo aceso, que muito ainda podia queimar. Então disse com uma voz sussurrada e provocante

-Oi meu querido me desculpe se esbarrei em você lindo! Mas vejo que sua pele esta quente apesar da frescura dessa manhã. Quente e macia. Ah como eu adoro homens maduros e bem vestidos. – O homem desconsertado com a provocação, não sabia o que fazer.

A duas então se aproximaram e sussurraram em seus ouvidos palavras que há muito o guardião da moral não ouvia e que despertaram uma parcela do seu ser que acreditava não mais existir.

Em seguida, uma delas disse: Venha, vamos rezar com gente.

E assim como em todas as manhãs seus Chaves foi atrás da reza, mas não numa direção bem contrária a da matriz.

Um pouco de atenção, um toque, carinho e sussurros, foram essas as chaves que abriram compotas fazendo jogar rios de águas cristalinas, águas há muito represadas.