Somos tão circunstanciais
Quanto uma gota de chuva
Que cai sem saber onde
E para onde vai escorrer
E que ao cair, uma planta rega
Ou uma semente lança ao vento
E na terra cai
Cria raízes e cresce
E um dia
Um vento sopra e arranca galhos
Folhas, ou até mesmo o tronco
Derruba ao chão;
Controlamos...planejamos
Para onde escorreremos
Ou para onde nossas folhas crescerão;
Amizades e amores nascem
E os chamamos de nossos
Nos firmamos em grandes corporações
Construímos carreiras
Mas uma árvore não controla a força do vento
Nem a força da chuva
As coisas vêm, e vão
Novas vem, velhas vão;
Amigos se perdem e seguem seus caminhos
Novos entram em nossas vidas
Trabalhos se perdem
Novos talentos nascem
Novos caminhos nos encontram
Pais se vão, filhos chegam
Filhos se vão, netos chegam
Dinheiro se perde, um novo sentido se ganha
Velhas ideias se vão
Novas ganham importância
O que parecia imprescindível
De repente fica pequeno
Do tamanho de um grão de areia
E vemos um novo horizonte no limite do mar
Um livro tão profundo de cabeceira
De repente se perde em nossa prateleira
Aquele lugar que gostamos tanto de ir
Fica sem graça, esquecido nas fotografias
Aquele projeto tão decisivo
De repente dá lugar a novos planos
Aqueles colegas de trabalho
Que pareciam nossa família
Em almoços e risadas todos os dias
Se vão para outros lugares
E dizemos: Sim, vamos marcar de nos ver
De vez em quando...um dia desses
E esse de vez em quando
Dá lugar a novos encontros
Tão importantes quanto estes
E passamos a trocar mensagens
Uma vez por mês...
Depois em datas importantes
Depois nos aniversários
Depois um like de vez em quando
Para mostrar que ainda existe, que está ali
Mas na verdade, é só um like
Apenas um segundo sem importância
E depois, e depois, e depois...
Ficou pra trás...apenas uma lembrança;
Uma namorada, que não imaginávamos viver sem
Dá lugar a novos amores
E um dia, ao encontra-la na rua
Parece uma estranha
E os dois se cruzam,
Talvez uma balançada de cabeça, talvez nada;
Mas planejamos...
Como uma gota de chuva que pretende planejar
Onde vai cair, como se não houvesse o vento
Como se as folhas permanecem imóveis
A cada troca de estação
Mesmo assim, os galhos mais fortes ficam
E a raiz que se enraizou, enraizada fica
E as plantas que a gota da chuva regou
Crescem fortes,
As quais sem a gota, não cresceriam
E não ficariam fortes;
E circunstanciais permanecemos
Com nossos planos
Mas sem se apegar tanto
Porque um dia o vento vem, e tudo muda
Porque assim precisa ser
Mesmo assim é preciso querer
Intensamente cada segundo
Até o fim 


(da obra Saturno de Goya, 2019)
Alexandre Golovanevsky
Enviado por Alexandre Golovanevsky em 06/05/2020
Reeditado em 06/05/2020
Código do texto: T6939535
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.